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Compliance ESG no Licenciamento Ambiental

  • Foto do escritor: Bruno Teixeira Peixoto
    Bruno Teixeira Peixoto
  • 18 de set.
  • 7 min de leitura
Parque eólico
Imagem: Freepik

Difundidos no Direito Público brasileiro, os Programas de Integridade e Compliance - exaltados pela nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021) - vêm confirmando sua relevância na busca por relações público-privadas éticas, íntegras e eficientes.


Com a ascensão da agenda ESG (Environmental, Social and Governance) esses Programas passam a exercer um papel crucial para que empresas e organizações desenvolvam controles e monitoramentos efetivos sobre riscos, impactos e fatores ambientais, climáticos, sociais e de governança nos negócios, projetos e empreendimentos.


Esses instrumentos são definidos pelo art. 56 do Decreto Federal n. 11.129/2022, que trouxe nova regulamentação à Lei Federal n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). No regulamento, os Programas de Integridade e Compliance seriam o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de: 1) prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira; e 2) fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional1.


Dadas as suas funções e parâmetros mínimos (Comprometimento da Alta Cúpula, Gestão de Riscos, Controles Internos, Canais de Denúncia, Due Diligences, Auditorias, Códigos de Conduta, entre outros), referidos programas passam a representar um oportuno mecanismo para melhoria e fomento da gestão de conformidade (Compliance) em grandes atividades econômicas, obras ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento.


Tendo em vista a realidade da Administração Pública brasileira, em todos os níveis federativos, deficiências estruturais (déficit de pessoal e de recursos materiais e financeiros) permanecem sendo grandes problemas. Há falta de transparência, acesso à informação ambiental, participação, e, em alguns casos, questões sensíveis como riscos de corrupção, fraude, improbidade administrativa, entre outros dilemas que enfraquecem os objetivos de qualquer política pública, inclusive, obviamente, na área ambiental e climática.


Para além das suas importantes funções de prevenir, detectar e reparar atos de corrupção, fraude e demais irregularidades, os Programas de Integridade e Compliance são instrumentos que detêm potencial de incrementar a gestão de riscos e a antecipação de condutas lesivas a meio ambiente e clima, se desenvolvidos e implementados no âmbito do licenciamento ambiental, considerado o mais importante mecanismo de proteção ambiental no País2

Previsto pela Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) (Lei Federal n. 6.938/1981), o licenciamento ambiental é o instrumento pelo qual o Poder Público procura controlar as atividades econômicas que degradam ou podem degradar o meio ambiente, pois o que interfere nas condições ambientais deve ficar sujeito ao controle estatal, por ordem constitucional (art. 225, § 1º. V, da Constituição Federal de 1988).


O sistema de licenciamento ambiental visa assegurar que o meio ambiente seja respeitado no planejamento, instalação ou funcionamento dos empreendimentos e obras. Nas suas fases (Licença prévia, de Instalação e de Operação) e no chamado pós-licenciamento, são fundamentais os planos e programas voltados ao monitoramento e controle ambiental da gestão da atividade licenciada, uma vez que os riscos e impactos ambientais, climáticos ou sociais causados exigem uma continuada avaliação, análise e tratamento, incumbência que deve ser compartilhada entre Estado e coletividade.


Nesse panorama, cogitar êxito no monitoramento e controle da gestão de compliance no licenciamento ambiental parece cada vez mais tarefa incerta e complexa, especialmente porque o paradigma de regulação ambiental no País permanece vinculado à abordagem tradicional de comando e controle estatal.

O modelo de Comando e Controle é dependente da ação de órgãos e entidades ambientais pelo Poder de Polícia administrativa ambiental. Passa da hora de serem revisitadas as estratégias regulatórias no tema no Brasil, especialmente sobre ações e instrumentos para acompanhar, monitorar e controlar a gestão de compliance nos processos administrativos de licenciamentos ambientais, contexto pautado em duas razões sistêmicas:


  1. O modelo de comando e controle regulatório em licenciamentos  centralizador, unilateral e pautado pelo binômio prescrição-sanção  não parece exitoso em gerar níveis de compliance com regras e padrões ambientais e climáticos, tampouco segurança institucional e jurídica, tanto aos órgãos licenciadores como para os licenciados;

  2. Problemas como falta de transparência, acesso à informação ambiental, proteção a denunciantes e comunidades afetadas, exposição a riscos de corrupção, fraude, conflito de interesses, improbidade, "greenwashings" e outras ilicitudes não vêm sendo minimamente tratados ou controlados pela regulação ambiental e climática.


Com esse cenário em vista, cabe discutir sobre novas estratégias e mecanismos regulatórios pautados pela melhoria e monitoramento contínuos e que sejam capazes de diagnosticar e enfrentar as raízes para esses dilemas que o licenciamento ambiental permanece enfrentando, afetando o Direito Ambiental e Climático como um todo.


Assim é que os Programas de Integridade e Compliance, observadas suas funções primordiais de prevenção, detecção e reparação de irregularidades, atos de corrupção, fraude e atos lesivos contra a Administração, bem como seus requisitos e elementos mínimos, se desenvolvidos e implementados no licenciamento ambiental sob a forma de medida de monitoramento e controle, poderão fomentar a integridade nas relações público-privadas na área ambiental e climática, incrementando a gestão de riscos e a antecipação a condutas, infrações e atos lesivos à Administração, à sociedade e ao meio ambiente3.


É uma perspectiva em voga, especialmente face a agenda ESG (Environmental, Social and Governance) que invade os setores público e privado e traz uma nova forma de abordar iniciativas de autorregulação regulada e responsabilidade corporativa, como os Programas de Integridade e Compliance. Essa perspectiva nos licenciamentos ambientais já está de alguma forma prevista no §3º do art. 12 da Resolução 237/1997 do Conama:

Artigo 12 – (…) §3º – Deverão ser estabelecidos critérios para agilizar e simplificar os procedimentos de licenciamento ambiental das atividades e empreendimentos que implementem planos e programas voluntários de gestão ambiental, visando a melhoria contínua e o aprimoramento do desempenho ambiental.

Ademais, na proposta do PL 2.159/2021, relativa à "Lei Geral do Licenciamento Ambiental", em tramitação no Senado Federal, importante se torna o previsto no art. 14:

Artigo 14. Caso sejam adotadas, pelo empreendedor, novas tecnologias, programas voluntários de gestão ambiental ou outras medidas que comprovadamente permitam alcançar resultados mais rigorosos do que os padrões e os critérios estabelecidos pela legislação ambiental, a autoridade licenciadora pode, mediante decisão motivada, estabelecer condições especiais no processo de licenciamento ambiental, incluídas: I – priorização das análises, com a finalidade de reduzir prazos; II – dilação de prazos de renovação da LO, da LI/LO ou da LAU em até 100% (cem por cento); ou III – outras condições cabíveis, a critério da autoridade licenciadora.

Na Câmara dos Deputados, há também o PL 5.442/2019que busca a regulamentação dos Programas de Conformidade Ambiental, cuja estrutura é baseada nos Programas de Integridade e Compliance da Lei Federal n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).


Inclusive, padrões e frameworks de reporte de gestão e governança de impactos ESG, como Relatórios de Sustentabilidade da GRI (Global Reporting Initiative) e similares, são medidas que podem ser estruturadas, potencializadas e abarcadas por meio da implementação de Programas de Integridade e Compliance,aplicados ao licenciamento.


Trata-se de estratégia regulatória decisiva em atividades ou empreendimentos

significativamente poluidores, com maior porte e riscos de degradação, estando, por isso, sujeitos à exigência de EIA (Estudo Prévio de Impacto Ambiental), segundo o art. 225, §1º, IV da Constituição e a Resolução 01/1986 do Conama. 

É evidente que o maior grau de poluição e impactos justifica e requer esse cuidado a mais. Isso guarda fundamento no art. 170, VI, da CF/88 de que a defesa do meio ambiente é um dos princípios da Ordem Econômica "inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação".


Dessa forma, a eventual implementação de Programa de Integridade e Compliance, aplicado e concebido sob padrões ESG e para gestão de compliance em licenciamentos, bem como sujeito ao reconhecimento público e ao incentivo aos melhores programas, pode ser utilizado por órgãos ambientais como um dos inúmeros exemplos possíveis de critério de priorização, qualificação ou agilização dos processos administrativos de licenciamento ambiental.


Nesse sentido, além de incentivo aos particulares e licenciados, tem-se uma pertinente estratégia regulatória com potencial de fomentar transparência, acesso à informação ambiental, participação e cooperação por melhores níveis de desempenho e cumprimento de padrões de qualidade ambiental e climática por regulados, engajando-se cultura de integridade e compliance na regulação ambiental nacional.


Com efeito, há duas perspectivas de implementação a serem exploradas pelos órgãos competentes no licenciamento ambiental de significativos impactos: 1) integrados aos mecanismos do EIA e do PCA ou outros programas de controle ambientais; e 2) alocados como um dos mecanismos de controle do rol das condicionantes das licenças. 


Na primeira perspectiva, a exigência para a implementação de Programas de Integridade e Compliance reforçaria o cumprimento à diretriz geral do EIA, prevista pelo inciso II do art. 5º da Resolução 001/1986 do Conama, voltada a "identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade". 


Quanto à segunda, a implementação desses Programas poderia agregar no conjunto de "medidas de controle ambiental", requisitadas expressamente para a concessão das licenças prévia, de instalação e de operação, conforme preveem os incisos I, II e III do art. 8º da Resolução 237/1997 do Conama, que trata dos licenciamentos.


A aplicação da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme o art. 9º, XIII da Lei 6.938/1981, deve ocorrer também por meio de "instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros", ressaltando rol exemplificativo, abrindo espaço, portanto, para discussão e desenvolvimento de novos instrumentos de regulação ambiental (ou da aplicação diferenciada dos já existentes, como o licenciamento).


Em matéria de mudanças climáticas, o licenciamento ambiental cresce nas discussões também acerca da inclusão da variável climática em termos de avaliação de impactos4, isso em razão de representar, como já destacado, o principal veículo regulatório do Brasil no tema. 


O licenciamento deve interagir com os instrumentos econômicos ambientais, como Pagamento por Serviços Ambientais, Programas de Integridade e Compliance, Seguro Ambiental, dentre outros, incentivando a adoção de comportamentos ecologicamente adequados, inclusive podendo ir além daquilo que a legislação exige, garantindo uma proteção ambiental e climática ainda maior e coerente com a atualidade.


Em tempos de agenda ESG, Programas de Integridade e Compliance, pelas suas funções de prevenção, detecção e reparação de irregularidades e ilícitos, representam instrumento de crucial aplicação no licenciamento ambiental, sobretudo em atividades significativamente poluidoras, abrindo caminho a novas estratégias regulatórias de implementação das políticas e normas de Direito Ambiental e Climático no Brasil.


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Artigo adaptado do original, publicado em 25/09/2022, na página do Conjur. Também publicado no LinkedIn.

Autores: Bruno Teixeira Peixoto e Talden Farias

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