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Os paradigmáticos pareceres das Cortes Internacionais CIJ e IDH sobre mudanças climáticas

  • Foto do escritor: Bruno Teixeira Peixoto
    Bruno Teixeira Peixoto
  • 22 de set.
  • 9 min de leitura
Ativistas protestando em frente ao Palácio da Paz, sede do Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, Holanda.
Imagem: Peter Dejong/Associated Press

Há em curso guinada histórica sobre o direito internacional diante da emergência climática e de seus efeitos quanto à responsabilização de atores públicos e privados.


O mês de julho de 2025 ficará marcado para os registros históricos do regime jurídico do direito internacional público (inclusive o privado!): Cortes Internacionais como a CIJ (Corte Internacional de Justiça) e a Corte IDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) consolidaram passos paradigmáticos acerca das discussões jurídicas em torno das mudanças climáticas e as obrigações que dela derivam em nível internacional.

Após a publicação de robusto parecer por parte da Corte IDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) em 03/07, o mundo todo aguardava a conclusão de parecer submetido à Corte Internacional de Justiça (CIJ), que buscava a posição consultiva da Corte acerca da responsabilização dos Estados perante as obrigações em termos de mudanças climáticas. No último dia 23/07 a espera acabou e foi publicado o 3º parecer "climático" seguido de Corte Internacional no intervalo de pouco mais de um ano.


A decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) é "um marco histórico para o clima", declarou o ministro da Mudança Climática de Vanuatu, um dos países que participaram do processo perante o tribunal em Haia, na última quarta-feira 23/07. A frase não é descontextualizada ou exagerada, isso porque parecer proferido pela CIJ afirmou que os países são legalmente obrigados a reduzir as emissões e proteger o clima.


A República de Vanuatu foi uma das principais nações mundiais que promoveu o pedido de parecer consultivo à Corte Internacional de Justiça (CIJ) junto à Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), para que fosse interpelado à CIJ o esclarecimento acerca de quais seriam as obrigações legais dos países em todo o mundo, sob o direito internacional, no que diz respeito à ação climática. O requerimento tem fundamento no artigo 96 da Carta da ONU, o qual prevê que a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Unidas podem solicitar pareceres sobre qualquer questão jurídica à CIJ.


Vanuatu é uma das nações globais mais atingidas pela crise climática, com vulnerabilidade estrutural ao avanço da elevação dos mares, já que se refere a um país insular no pacífico sul. Com mais de 100 (cem) países e organizações apoiando a iniciativa na CIJ, o caso se tornou o com maior participação na história do tribunal, instância fundamental na luta desses territórios vulnerabilizados. O pedido formulado à CIJ tem em seus argumentos um parecer de maio de 2024 do Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS), que é um órgão judicial independente, criado pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).


No direito internacional, pareceres consultivos (advisory opinions) são pronunciamentos jurídicos não vinculativos emitidos por Cortes e Tribunais Internacionais esclarecendo questões jurídicas. Embora não sejam juridicamente vinculativos, eles têm claro peso jurídico e autoridade moral e hermenêutica (interpretativa) significativas, influenciando o desenvolvimento do direito internacional e potencialmente moldando o comportamento dos Estados e de suas decisões e funções nas três esferas: Executiva, Legislativa e Judiciária.


A todos e todas que não acompanham mais proximamente tais discussões, importante delinear o contexto destes 03 (três) relevantíssimos pareceres, que estão moldando (e moldarão) os caminhos sobre a aplicação e a interpretação do direito internacional das mudanças climáticas no mundo nos próximos anos, com reflexos no campo dos tratados internacionais climáticos e, especialmente, no movimento cada vez mais em ascensão da litigância climática pública e privada.



Parecer Consultivo do Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS) de 21 de maio de 2024


Em 21 de maio de 2024, o Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS -International Tribunal for the Law of the Sea) fez história ao articular as obrigações legais dos países de proteger o meio ambiente marinho e os impactos relacionados às mudanças climáticas.


Em termos resumidos, o pedido se referiu a requerimento apresentado em dezembro de 2022 por um conjunto de países insulares que integram a Comissão de Pequenos Estados Insulares sobre Mudança Climática e Direito Internacional (COSIS), com o objetivo da publicação de parecer consultivo pelo Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS) a respeito das obrigações dos Estados Partes sob a CNUDM (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - conhecida como Convenção de Montego Bay), voltadas a medidas de prevenção e controle da poluição do meio ambiente marinho em relação às alterações climáticas, da qual o Brasil é signatário e a internalizou pelo Decreto nº 99.165 de 1990.


Parecer publicado pelo ITLOS, notavelmente unânime, conferiu maior força jurídica ao inextricável vínculo científico entre as mudanças climáticas e a saúde dos oceanos. Isso porque reconheceu legalmente em sua competência, com base na ciência mais recente e confiável do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a relação de causa e efeito entre o acúmulo de gases de efeito estufa (GEE) antropogênicos (gerados por atividades humanas) na atmosfera e seus múltiplos efeitos nocivos sobre o oceano.


Isso incluiu efeitos danosos por meio da elevação do nível do mar, aumento do conteúdo de calor do oceano e ondas de calor marinhas, desoxigenação e acidificação dos oceanos.


De acordo com o Parecer do ITLOS, o Artigo 194 da CNUDM (o qual trata da obrigação geral dos Estados de proteger e preservar o meio marinho) confere uma obrigação de devida diligência e uma obrigação de conduta, instando claramente todas as Partes (Países signatários) da Convenção a tomarem todas as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição marinha por emissões antropogênicas de GEE. O Parecer também expôs claramente que tal obrigação está intimamente ligada à abordagem da precaução, ou seja, a ausência de certeza científica não pode impedir os Estados de tomarem todas as medidas necessárias para regular a poluição marinha por emissões antropogênicas de GEE1


O ITLOS ressalvou, no entanto, que tal padrão de devida diligência variaria dependendo de circunstâncias específicas, que incluiriam as informações científicas e tecnológicas, a existência de regras e padrões internacionais relevantes, o risco de dano e a urgência envolvida. Trata-se aqui do princípio de Responsabilidades Comuns, mas Diferenciadas e Respectivas Capacidades, reconhecendo-se que a implementação de tal devida diligência varia com base nas capacidades dos Estados e em seus recursos disponíveis2. Trecho importante da posição do ITLOS se referiu ao ponto de que a UNFCCC e o Acordo de Paris não são "lex specialis" em relação às obrigações dos Estados Partes para ações relacionadas ao clima, isto é, coexistem outras obrigações climáticas internacionais que não apenas da UNFCCC, como a proteção do ambiente marinho, à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.


De todo modo, dada a sua relevância em um contexto de emergência climática e fragmentação e disputa geopolítica acirrada sobre o regime internacional no tema (especialmente o Acordo de Paris), o parecer proferido pelo Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS) representou avanço na discussão jurídica e diplomática internacional quanto à necessária implementação pelos Estados das metas e obrigações face à crise climática.



Parecer Consultivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)


Em 03 de julho de 2025, foi publicado o Parecer Consultivo nº 32/2025 sobre "Emergência Climática e Direitos Humanos", proferido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), estabelecendo um marco jurídico vinculante para que os Estados respondam à emergência climática com base nos direitos humanos.


Solicitado pelo Chile e pela Colômbia, com apoio técnico e estratégico do Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL), esse Parecer da Corte IDH é um marco no Direito Internacional dos Direitos Humanos. Pela primeira vez, a Corte reconheceu a crise climática como uma ameaça direta, urgente e estrutural aos direitos fundamentais das pessoas e dos povos, elucidando o alcance desses direitos em resposta à emergência3.


Na qualidade de interpretação autorizada da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros tratados internacionais, o referido parecer da Corte IDH é juridicamente vinculante para todos os Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). A doutrina do controle de convencionalidade, desenvolvida pela Corte IDH, reforça esse efeito jurídico, exigindo que os três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — dos Estados signatários ajustem suas leis, políticas e decisões às obrigações da Convenção, incluindo as diretrizes desse Parecer Consultivo4.


Segundo tal parecer da Corte IDH, reconhece-se a emergência climática como uma ameaça aos direitos humanos e se estabelece o reforço das obrigações concretas para os Estados em relação à proteção desses direitos diante das mudanças climáticas. O parecer afirmou que os Estados devem proteger direitos como vida, saúde, moradia, acesso à água e alimentação, meio ambiente saudável e integridade das comunidades, considerando a vulnerabilidade de grupos específicos. Além disso, a Corte IDH ressaltou a importância de ações urgentes e eficazes, com perspectiva de direitos humanos e sob o prisma da resiliência, para enfrentar a emergência climática5.


Como destacaram Gabriel Mantelli e Isabela Bicalho6o pronunciamento da

Corte IDH inaugurou marco interpretativo ao reconhecer a crise climática como ameaça estrutural aos direitos humanos no continente americano, além do fato de reforçar o dever de cooperação internacional, especialmente no tocante ao financiamento climático, à transferência de tecnologias e à promoção da transição justa, reafirmando os princípios da responsabilidade comum, porém diferenciada.



Parecer Consultivo da Corte Internacional de Justiça (CIJ)


O terceiro parecer em pouco mais de um ano da posição do Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS) foi publicado no último dia 23/07/2025 pela Corte Internacional de Justiça (CIJ).


Em março de 2023, a Assembleia Geral da ONU votou para solicitar à CIJ que esclarecesse as obrigações dos Estados em relação às mudanças climáticas e as consequências jurídicas do descumprimento dessas obrigações. Em termos simples, os Estados queriam saber o que o direito internacional diz sobre o que os Estados são obrigados a fazer em relação às mudanças climáticas. O pedido à ONU ocorreu por um grupo principal de Estados, como Vanuatu, Antígua e Barbuda, Costa Rica, Serra Leoa, Angola, Alemanha, Moçambique, Liechtenstein, Samoa, Estados Federados da Micronésia, Bangladesh, Marrocos, Cingapura, Uganda, Nova Zelândia, Vietnã, Romênia e Portugal lideram a elaboração das perguntas ao CIJ.


As questões submetidas às análises da CIJ foram as seguintes:


  1. Quais são as obrigações dos Estados, de acordo com o direito internacional, para garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra emissões antropogênicas de gases de efeito estufa para os Estados e para as gerações presentes e futuras?

  2. Quais são as consequências legais decorrentes destas obrigações para os Estados que, pelos seus atos e omissões, causaram danos significativos ao sistema climático e a outras partes do ambiente, no que diz respeito: a) Estados, incluindo, em particular, os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, que, devido às suas circunstâncias geográficas e ao seu nível de desenvolvimento, são prejudicados ou especialmente afetados ou são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas? b) Povos e indivíduos das gerações presentes e futuras afetados pelos efeitos adversos das alterações climáticas?”


Após a realização de audiências em 2024, no dia 23 de julho de 2025, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu seu parecer consultivo em resposta à solicitação de Vanuatu e outros estados. Em decisão histórica, a CIJ confirmou por unanimidade que os Estados, em especial os grandes poluidores desenvolvidos, devem intensificar seus esforços para enfrentar as mudanças climáticas de acordo com o direito internacional. 


Referida responsabilidade jurídica e dever de diligência estatal inclui a obrigação, sob o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. A CIJ ainda decidiu ainda que, se os Estados violarem essas obrigações, eles incorrerão em responsabilidade legal e poderão ser obrigados a cessar a conduta ilícita, oferecer garantias de não repetição e fazer reparação integral, dependendo das circunstâncias7


Em sentido conclusivo, a CIJ asseverou os seguintes pontos:


  • Se os governos e parlamentos i) não conseguirem controlar a produção e o consumo de combustíveis fósseis; ii) aprovarem projetos de combustíveis fósseis e iii) distribuírem dinheiro público para combustíveis fósseis, eles poderão estar violando o direito internacional;

  • Os emissores históricos (ou seja, países que queimaram mais combustíveis fósseis por períodos mais longos) têm uma responsabilidade maior de enfrentar a crise climática e limitar o aquecimento global a 1,5 C; 

  • Os países são obrigados pelo direito internacional a regulamentar os impactos climáticos de empresas e negócios;

  • Um ambiente saudável é a base da vida humana e dos direitos humanos protegidos pelo direito internacional; e 

  • Existe uma possível rota de reparações para os estados que estão sofrendo o pior da crise climática para responsabilizar os emissores históricos8.


Embora haja as características de parecer jurídico não vinculante, isto é, sem implicação mandamental direta em face da soberania de Estados nacionais, é indiscutível o efeito político, jurídico, econômico e diplomático que o parecer da CIJ gera e gerará ao regime do direito internacional das mudanças climáticas e direitos humanos no mundo.


E apesar das leituras apressadas, não se pode esquecer de que toda esta conjuntura de rediscussão e opiniões robustas e fundamentadas de Cortes Internacionais reverberará intensamente no âmbito das litigâncias climáticas ao redor do mundo, tanto em ações e reclamações judiciais contra Estados e autoridades públicas, como também naquelas movidas em face de atores privados, sobretudo as grandes companhias de setores como petróleo, óleo e gás, além das que explorem demais atividades com impactos climáticos.


Literalmente, não há mais espaços (nem tempo!) para discussões jurídicas limitadas ou subvertidas em interpretações e normativas eminentemente "soft law". Muito pelo contrário, parece surgir um horizonte claro em que as balizas que sustentam a análise de eficácia e a hermenêutica do direito internacional público e privado se interconectam diante da realidade global e de seus choques antropológicos, como a emergência climática. A inação pública ou privada em termos climáticos agora terá outro peso na ordem jurídica internacional, ao menos essa é a direção para qual apontam os pareceres de ITLOS, Corte IDH e CIJ. 


No cenário brasileiro, importante citar que na ADPF 708 (Caso Fundo Clima), o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que o Acordo de Paris é um tratado de direitos humanos no ordenamento brasileiro, tendo status supralegal, posição hierárquica acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição, consolidando-se a sua vinculatividade jurídica no Brasil.


Em tempos de reorientações das hegemonias geopolíticas mundiais, em que são nítidas as críticas e ataques ao regime multilateralista, os pareceres publicados, respectivamente, pelo Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS), Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) ressignificam o paradigma do regime jurídico internacional de obrigações e deveres em termos de combate às mudanças climáticas.


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Artigo originalmente publicado no LinkedIn em julho de 2025

Autor: Bruno Teixeira Peixoto

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