top of page

Agenda ESG e Litigância Climática: soft law é ‘coisa do passado’?

  • Foto do escritor: Bruno Teixeira Peixoto
    Bruno Teixeira Peixoto
  • 18 de set.
  • 5 min de leitura
Manifestantes segurando cartazes no Global Legal Action Network.
Imagem: Pascal Bastien - Global Legal Action Network.

Ambiente regulatório e litígios climáticos trazem novas perspectivas para normas, tratados e obrigações historicamente lidos como "soft law".


As novas regulações de deveres ESG e decisões judiciais em grandes litígios climáticos mundo afora parecem caminhar cada vez mais em direção a um potencial “endurecimento” de um velho e conhecido termo jurídico: o soft law.


Com o avanço global das regulações, grandes multinacionais, cadeias de valor e setores do mercado deverão aprimorar as suas práticas de mapeamento, monitoramento e mitigação de violações a direitos humanos, proteção ambiental e climática, assim como sobre eventuais descumprimentos de deveres de gestão de riscos e compliance


O que há pouco tempo estava restrito a convenções, recomendações,

frameworks, guias ou tratados internacionais, em grande parte, desprovidos de vinculação e efeitos sancionatórios, agora, está se direcionando para uma frente de maior enforcement, tanto nos mercados como em face de Estados nacionais.


Soft Law

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)1, o termo soft law teria relação com uma cooperação baseada em instrumentos que não são juridicamente vinculativos ou cuja força vinculativa é mais “fraca” do que a do direito tradicional. O soft law é um instituto do direito internacional que indica o processo de criação de um instrumento normativo que é desprovido de força legal, haja vista não gerar sanção. 


Nem por isso, entretanto, os standards gerados pela soft law deixam de produzir efeitos. Como exemplo de procedimentos de soft law, são frequentemente citados os códigos de conduta, as diretrizes, os roteiros, as avaliações pelos pares e as recomendações dos órgãos e autoridades nacionais e estrangeiras.


Muitas das fontes do direito internacional, tanto público como privado, e de suas normas historicamente estiveram (e estão) baseadas em soft law. São preceitos que tencionam um padrão de condutas socioeconômicas, mas que, em grande parte e usualmente, não detêm efeitos vinculantes e sancionatórios.


É diante dessas características flexíveis ou não impositivas que a grande parte dos referenciais e standards de soft law recebem críticas. Isso porque muitas empresas gozam do status social de signatárias desses compromissos, apesar da ausência de mandato ou capacidade por parte dos organismos internacionais envolvidos de monitorarem e verificarem referidas práticas corporativas2, mantendo-se, neste contexto, margens para violação a direitos básicos em matéria socioambiental e climática, o que ocorre também na área pública.


Agenda ESG e litigância climática vs. Soft Law

Ocorre que, a partir de movimentos regulatórios mais recentes, ligados à denominada agenda ESG (Environmental, Social and Governance) em empresas, projetos e investimentos, o soft law derivado de recomendações e de guidelines voluntários para empresas está tomando forma mais hard do que soft, sobretudo quanto aos deveres corporativos ESG e também acerca de acordos internacionais e convenções em matéria de direitos humanos e clima.

Esse contexto se soma à escalada dos efeitos negativos da emergência climática global. Muitos tratados, acordos, normas e padrões ambientais e climáticos, calcados no soft law, estão sendo reinterpretados. Em alguns casos, esses padrões passaram a ser exigidos como se fossem hard law ou um direito real vinculativo, inclusive com potenciais efeitos sancionatórios ou econômicos, partindo-se de leitura sistemática junto a outras normas.


Outro exemplo desta tendência de “endurecimento” do soft law pode ser encontrado na forma e no tratamento do conteúdo de padrões normativos de governança, gestão socioambiental e climática empresarial, publicados recentemente pela União Europeia3


Há pouco tempo, muito desses padrões não detinham a vinculatividade e a imposição jurídica que hoje passam a deter, incidência esta, inclusive, que poderá impactar setores econômicos relevantes, a exemplo do Brasil, para as atividades econômicas que atuam no mercado europeu e exterior.


Entre as novas normativas europeias, igualmente chama a atenção a “Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa ou CSDD”4. Essa diretiva colocou uma nova ordem de mercado, estabelecendo novos parâmetros de comportamento empresarial sustentável e responsável em direitos humanos, assim como novos standards sobre aspectos ambientais direcionados para operações e governança corporativa.


Os países integrantes do bloco terão que regulamentar a norma em prazo de dois anos, a partir de 2024. O grande destaque, aqui, é que os países europeus deverão prever sanções efetivas, proporcionais e dissuasivas para os eventuais descumprimentos da norma em referência.


Outro exemplo é a recente “Diretriz de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa ou CSRD”5. A CSRD impõe um grande impacto regulatório, determinando que, a partir de 2024, as empresas passem a publicar Relatórios de Sustentabilidade e impactos ESG.


A refuncionalização do soft law também pode ser extraída das ações judiciais e reclamações extrajudiciais vinculadas à litigância climática global.

Caso muito recente está na decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos6, pela qual reconheceu que o Governo da Suíça violou os direitos humanos dos seus cidadãos ao não fazer o suficiente para conter as alterações climáticas, interpretando rigidamente a Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Outro caso expressivo é o Milieudefensie et alvsRoyal Dutch Shell, pelo Tribunal Distrital de Haia7, na Holanda. No caso, buscou-se obrigar a Shell a reduzir emissões líquidas de carbono em 45% até o ano de 2030. Entre os fundamentos da decisão, defendeu-se que o Acordo de Paris (soft law?) também se aplicaria à corporação privada do petróleo.


A propósito, no Brasil, o STF quando do julgamento da ADPF 708 relativa ao Fundo Clima8 concluiu que o Acordo de Paris representa um tratado de Direitos Humanos, gozando, assim, da chamada “supralegalidade”. Essa característica, como se sabe, coloca o referido acordo acima das leis ordinárias nacionais, ficando abaixo apenas da própria Constituição Federal. Além disso, é importante recordar que, no Brasil, o Acordo de Paris é regulamentado Decreto Federal n. 9.073/2017, juntando-se à Lei Federal n. 12.187/2009 (Política Nacional sobre Mudança do Clima).


Ainda no cenário brasileiro, em termos de padrões ESG, o ambiente regulatório vinculativo está avançando. Isso é verificável nas publicações de normas setoriais relevantes por parte do Bacen, Susep e CVM. Conclui-se que os temas ESG não se mostram mais meras recomendações. Ao contrário, as evidências indicam um cenário de gradativa conversão de regulações brandas em compromissos firmes, sujeitos a responsabilização9, e com impactos relevantes na economia brasileira.


Soft Law de hoje, Hard Law de amanhã?

Como ciência social aplicada, é papel do Direito problematizar a sua própria efetividade. Não por outra razão, de tempos em tempos, ocorre uma refuncionalização de instrumentos e conceitos jurídicos, quando não da própria figura de Estado. Atualmente, a pauta ESG catalisa um movimento de ressignificação. O avanço das exigências em matéria de ESG e de metas climáticas está endereçando uma reflexão aguda para algumas áreas do Direito, como a internacional, o ambiental e o societário. 


Neste cenário, estaria em curso uma ruptura de padrões, cuja base pode ser encontrada na própria consciência das estreitas relações entre Estado, mercado e sociedade civil (democracia econômica), com potencial de reposicionar inclusive o conceito jurídico de empresa e de seus deveres.


Sem adentrar nas questões de soberania econômica, competência jurisdicional ou extraterritorialidade da norma, não é exagero algum dizer que, muito em breve, as normas de natureza soft law serão cada vez mais “endurecidas” e articuladas. Isso deve ocorrer tanto por via de litígios climáticos como por meio de inovações regulatórias, sob predicados de um hard law vinculativo, especialmente em face de organizações e corporações privadas.


Em suma, o mercado não é uma ordem espontânea, em que pese certos setores econômicos ainda manterem tal visão. O que não se vislumbra, por ora, é quanto dessa mudança está de fato sendo direcionada para a transformação material da economia e de sua relação com o planeta, com vistas a uma mudança estrutural da sociedade. Se hard law ou soft law, uma coisa é certa: o capitalismo pressupõe Estado, seja para mantê-lo; seja para redefini-lo.


--

Artigo adaptado do original, publicado em 17/09/2023, na página do JOTA. Também publicado no LinkedIn.

Autores: Bruno Teixeira Peixoto e José Augusto Medeiros

Comentários


Não é mais possível comentar esta publicação. Contate o proprietário do site para mais informações.
bottom of page