Agenda ESG e Advocacia
- Bruno Teixeira Peixoto

- 18 de set.
- 5 min de leitura

O mundo da atual agenda ESG em empresas, projetos e investimentos traz consigo grandes desafios e oportunidades para o exercício da advocacia.
Com os impactos da emergência climática e de crises sociais sobre a economia e o planeta, o modelo até pouco tempo consagrado pelos mercados, políticas e, em especial, pela condução dos negócios está em profunda mudança.
Um conjunto de razões ambientais, sociais, econômicas e de governança passou a despertar a atenção de setores estratégicos do mercado, da política e do ambiente corporativo. Trata-se de um contexto em que a agenda ESG (Environmental, Social and Governance) cada vez mais se mostra uma realidade presente em diferentes debates nas áreas pública e privada.
É na última década e, mais fortemente, com o pós-pandemia da Covid-19, que a condução do mercado e das empresas sofreu profunda influência, apontando diferentes caminhos ao modelo de desenvolvimento econômico e à forma de execução, controle e desempenho dos negócios e investimentos até então.
Apesar das discussões contra ou a favor à pauta, iniciativas nacionais e internacionais vêm resgatando propósitos e preocupações com fatores ambientais, sociais e de governança em empresas, projetos e investimentos, além de reorientarem governos para uma transição sustentável na economia.
Diversos setores econômicos estão passando por mudanças regulatórias relevantes, como no caso dos bancos e instituições financeiras, das seguradoras e fundos de pensão, além também das grandes companhias transnacionais e suas cadeias globais e regionais de valor e suprimentos. Assim, as regras e padrões de gerenciamento, controle e desempenho ESG se confirmam como mecanismos decisivos para os negócios, o acesso a créditos e a mercados.
Dessa forma, não apenas as multinacionais e grandes companhias, mas também médias e pequenas empresas estão se reorientando no sentido de desenvolverem iniciativas e estratégias ESG para suas atividades, produtos, contratos e relacionamentos com fornecedores e parceiros de negócios.
Essas estratégias corporativas de ESG, conforme o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)1, representam o conjunto de práticas e ferramentas que serve para avaliar a sustentabilidade corporativa e oferecer orientações que ajudem as lideranças a concretizar a integração dos aspectos ambientais, sociais e de governança em sua gestão e em seus processos.
No mesmo sentido conceituou a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), na "Prática Recomendada ABNT PR 2023:2022 - ESG"2, pela qual a estratégia ESG seria o conjunto de critérios ambientais (E), sociais (S) e de governança (G), considerados por organizações ao gerenciarem suas operações, e por investidores ao realizarem investimentos em relação aos impactos (riscos e oportunidades) do negócio e de seus processos.
E é neste contexto estratégico que se torna relevante o papel da advocacia e dos demais profissionais da área jurídica. É uma função diretamente ligada às fases de concepção, planejamento, desenvolvimento, execução, avaliação e publicação das referidas estratégias ESG empresariais, sendo fundamental o olhar jurídico na garantia de eficácia dessas iniciativas em empresas e organizações.
Embora muitas empresas ainda mantenham as áreas jurídicas relativamente distantes das iniciativas ESG, ao se pensar nas estruturas, etapas e objetivos destas estratégias, crucial é a presença de advogados(as) e profissionais jurídicos.
A advocacia em geral e, em específico, a ligada à atuação empresarial, societária, comercial, ambiental, trabalhista, direitos humanos, integridade e compliance, consumerista, criminal, internacional público e privado, entre outras, está sendo e seguirá intensamente influenciada pela agenda ESG e as suas demandas e necessidades do mercado e das empresas. E isso deve trazer grandes desafios e oportunidades para advogados, advogadas e demais operadores do direito.
A fase em que se encontra a agenda ESG é de progressiva regulamentação. Nota-se a busca pelo viés normativo e compulsório para diversos setores, exigindo mecanismos como estudos de materialidade (dupla ou dinâmica), gestão de riscos em temas ESG, constituição de indicadores de desempenho, realização de due diligences ESG sobre contratos, operações e terceiros, publicações de relatórios integrados, de sustentabilidade e de informações não-financeiras, entre outros padrões. Essas estruturas dependem, nas suas construções e execuções, de equipes multidisciplinares, mas que nelas estejam integrados profissionais de formação jurídica e/ou advogados(as).
Isso porque, para que seja avaliada, desenvolvida e implementada, toda estratégia ESG que se queira efetiva e eficaz para os negócios e propósitos de uma empresa ou empreendimento dependerá de robusto e técnico assessoramento jurídico e regulatório, e não apenas de comunicação, mídia, gestão organizacional e outras aplicações de ciências exatas ou naturais.
Do contrário, grandes e impactantes podem ser os riscos de “greenwashing” e, principalmente, de reflexos jurídicos e sancionatórios à empresa.
Entre os vários e importantes atores que devem compor a construção de uma estratégia ESG corporativa, o(a) advogado(a) tem a especial função de orientar e analisar, diante da estrutura e perfil da organização, quais são os padrões, regulamentos e normas, em termos jurídicos e regulatórios, uma empresa, companhia, projeto ou empreendimento deve se utilizar e aplicar em seu negócio, setor de atuação e no relacionamento com seus stakeholders.
Pelas lentes ESG, a dimensão “E” de fatores ambientais deve abarcar, entre outros, aqueles impactos no meio ambiente e no clima causados pelo negócio. Para a dimensão “S” de aspectos sociais, pessoas, serviços e cadeia de valor e de produção da empresa merecem um destaque. Por fim, na dimensão “G” de governança, a estrutura corporativa e de gestão deve estar alinhada com medidas de transparência, integridade, gestão de riscos e compliance.
Por esses e outros motivos que a advocacia passa por uma ressignificação, não mais tão atrelada a atuações judiciais, contenciosas e de litígios, e sim mirando com mais atenção o campo consultivo, extrajudicial e estratégico no Brasil e no mundo, a exemplo de iniciativas e estratégias corporativas ESG.
Publicações internacionais recentes apontam3, inclusive, para um horizonte de "ESG Law" ou direito do ESG, capaz de incutir severa reorientação nas bases do paradigma de atuação e prestação de serviços em bancas e escritórios de advocacia, que passam a estar desafiados a atenderem à agenda ESG de empresas, setores econômicos e mercados nacionais e internacionais.
Com efeito, na medida em que as empresas e setores econômicos, pressionados por mercados, consumidores, parceiros e autoridades regulatórias, precisarão desenvolver e internalizar estratégias ESG complexas, sistêmicas e multidisciplinares, o exercício da advocacia, dos escritórios e profissionais jurídicos deverá se adaptar à esta realidade. No final das contas, todo(a) advogado(a) terá que ser um pouco (ou muito!) um advogado ESG4.
Uma dupla relação tende a se estabelecer, pois tanto as estratégias ESG empresariais dependerão de advogados(as), como também os(as) advogados(as) terão de se integrar a este novo, diverso e multidisciplinar campo de atuação que só cresce em extensão e conteúdo no Brasil e no mundo.
Sem dúvidas, o sucesso da agenda ESG, cuja ambição traz consigo todo um contexto complexo e multidisciplinar, dependerá do quanto de suas iniciativas e ações será integrado e implementado no mercado, na política e, sobretudo, no ambiente corporativo e empresarial. E para tanto, fundamental será o papel ressignificado da advocacia e demais profissionais da área jurídica.
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Artigo adaptado do original, publicado em 20/07/2023, na página do Cabanellos Advocacia. Também publicado no LinkedIn.
Autor: Bruno Teixeira Peixoto



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