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Os indiscutíveis deveres de diligência corporativa socioambiental e climática

  • Foto do escritor: Bruno Teixeira Peixoto
    Bruno Teixeira Peixoto
  • 22 de set.
  • 8 min de leitura
Cartaz escrito "There's no planet B", em português significa "Não há planeta B.
Imagem: Freepik

O contexto dos deveres de companhias privadas (e de seus diretores e agentes) em matéria socioambiental e climática nunca mais será o mesmo. E há sinais disso no Brasil e no mundo.


Em um mundo cada vez mais complexo, os deveres e responsabilidades de prevenção, controle e mitigação de riscos e danos ao meio ambiente, à sociedade e à estabilidade do clima passam a representar comportamentos decisivos. São condutas estratégicas, tanto em face da atuação estatal, como também – e sobretudo – dos agentes privados, companhias e empresas detentoras de grandes riscos e impactos em suas atividades econômicas, empreendimentos e operações.


Recente estudo divulgado1 corrobora esse cenário desafiador. O material aponta que metade das emissões de gás carbônico (CO2) geradas no mundo no ano de 2023 - um dos principais Gases de Efeito Estufa (GEE) – foi proveniente de um rol de apenas 36 empresas, destas estariam presentes grandes e conhecidas companhias privadas globais que exploram combustíveis fósseis (petróleo, óleo e gás), inclusive com aval e fomento estatal.


Um quadro de coisas como esse traz questões indispensáveis aos rumos da esperada ambição climática pela descarbonização e adaptação, objetivos expressos do Acordo Climático de Paris: 


  • 1ª) Em que medida companhias e empresas privadas devem atender e cumprir com seus deveres jurídicos de prevenir, controlar e mitigar suas contribuições ao agravamento da emergência climática em curso? 

  • 2ª) Que deveres de companhias e de seus agentes e dirigentes (acionistas, controladores, administradores, representantes), a rigor, seriam esses de prevenir, controlar e mitigar riscos e danos socioambientais e climáticos?


Embora a resposta específica para essas indagações dependa do recorte contextual sobre ambiente regulatório analisado, tipo de atividade econômica desenvolvida pela companhia e sua configuração de estrutura e natureza jurídica, no contexto brasileiro, proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a estabilidade climática é um dever fundamental posto pelo caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988. 


É uma incumbência a ser cumprida, tanto pelos Poderes Públicos como pela coletividade, nesta última abrangidos, por lógica, os agentes e atores privados – pessoas físicas ou jurídicas - titulares de grandes atividades econômicas empresariais que afetem o meio ambiente e as condições climáticas.


No ordenamento jurídico brasileiro, especialmente na Constituição Federal de 1988 e na legislação federal relacionada ao tema, as companhias privadas que explorem atividades, projetos, obras ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental, sob pena de ilegalidade na operação.


Com efeito, tal sujeição legal de previamente submeter seus projetos, atividades e empreendimentos ao instrumento de regulação ambiental/climática do licenciamento pressupõe a obrigatoriedade, em casos de significativos impactos, da realização da avaliação prévia de impactos ambientais e climáticos, com a produção do estudo prévio de impacto ambiental e do relatório sobre impactos ao meio ambiente (EIA/ Rima).


Todos esses estudos, controles, planos e medidas mitigadoras dos riscos e impactos socioambientais e climáticos de empreendimentos privados, validadas pelo órgão ambiental competente, absorvem o regime de obrigação jurídica de fazer, não fazer e de dar, todas em observância ao melhor desempenho ambiental e climático vinculado às condicionantes de licenças e autorizações públicas concedidas a estes agentes privados.


Trata-se de legítimo dever jurídico corporativo de “compliance” e de devidas diligências e cuidados empresariais em termos socioambientais e climáticos por parte da companhia e de seus titulares e administradores, com a finalidade de que se explore a atividade empresarial (direito também fundamental e não absoluto, destaca-se) dentro dos parâmetros fixados e sem causar riscos, tampouco danos ao meio ambiente e ao clima em razão da atividade.


Considerar, de modo prévio e continuado, a dimensão dos riscos e impactos socioambientais e climáticos que compõem o dever jurídico corporativo é observar a direção da Constituição de 1988, a partir da qual não pode existir proteção constitucional à Ordem Econômica (para esta análise, a proteção também à livre iniciativa econômica) que sacrifique o meio ambiente2 (e assim também as pessoas e o clima estável).


É um dever fundamental que constitui o dever corporativo de responsabilidade das companhias e empresas privadas que desenvolvam e executem atividades nestes moldes, cujo descumprimento atrairá o regime de responsabilidade ambiental em termos civis, administrativos e criminais, inclusive a seus diretores, administradores, controladores, conselheiros e representantes, conforme preveem os artigos 2º e 3º da Lei nº 9.605/1998.


Em termos de deveres e responsabilidades do setor privado no combate às mudanças climáticas, a própria Lei Federal nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), em seu artigo 3º, inciso I, prevê que “todos têm o dever de atuar, em benefício das presentes e futuras gerações, para a redução dos impactos decorrentes das interferências antrópicas sobre o sistema climático”, disposição em que o termo “todos”, à luz do preceito constitucional artigo 225 da Constituição, remeterá tanto aos Poderes Públicos como a toda a coletividade, abarcados nesta última as companhias e empresas privadas e seus agentes e titulares.


Importante dizer que o regime jurídico empresarial brasileiro, incidente sobre essas atividades econômicas, projetos e empreendimentos possuidores de significativos impactos socioambientais e climáticos, confirma a existência deste dever jurídico fundamental de devida diligência, cuidado e controle corporativo, como estampado na importante Lei Federal nº 6.404, de 1976, a Lei das Sociedades por Ações ou “Lei das S.A.”.


Isso porque, segundo o artigo 116 da referida Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.), o acionista controlador da companhia “deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.” 


Não apenas deverá o acionista controlador em sua atuação cumprir com os propósitos finalísticos da companhia privada, mas também – e sobretudo – a ele – pessoa física ou jurídica – incumbirá observar a função social da empresa e considerar o interesse da comunidade em que atua, em outros termos, o interesse também social, ambiental e climático.


O mesmo é extraído do artigo 153 da mesma Lei das Sociedades por Ações, conforme o qual o “administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”, comando jurídico diretamente ligado, no caso das atividades com significativos impactos socioambientais e climáticos, aos deveres de prevenção, controle, mitigação e reparação dos danos causados pela atividade.


Ainda na citada Lei, o artigo 154 traz expressamente que “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”. Uma vez mais o ordenamento infraconstitucional brasileiro exalta o dever corporativo de atendimento à função social, que é socioambiental e climática, dado que abarca o que se tem como “exigências do bem público”.


Daí a conclusão de que o meio ambiente e a estabilidade climática são indiscutíveis bens de interesse público e social a serem considerados pelas atividades privadas de companhias e empresas no Brasil.


A responsabilidade de empresas e entes privados por violações, danos e riscos em matéria de emergência climática está diretamente ligada ao direito-dever da solidariedade, base da "razão de ser" da proteção ecológica e climática. Com isso, a responsabilidade pela tutela ecológica e climática, portanto, não incumbe apenas ao Estado, mas também - e com destaque - aos particulares (pessoas físicas e jurídicas).


Este é um movimento global e que inclusive foi objeto de consulta pública3 no Alto Comissariado da ONU para o Direitos Humanos (ACNUR), através da questão sobre se requisitos de reporte de medidas ambientais, sociais e de governança da agenda “ESG” teriam eficácia para garantir que as empresas cumpram com as obrigações de direitos humanos e do Acordo de Paris.


Ademais, a ascensão dos litígios socioambientais e climáticos, também conhecidos como litígios estratégicos ou estruturais, tem caminhado em direção a uma maior discussão acerca destes deveres corporativos de diligência, cuidado e controle, ou “duty of care”, de companhias e empresas privadas com atividades e operações que causem riscos ou grandes danos socioambientais e climáticos. Nunca as estruturas de autorregulação corporativas foram tão analisadas acerca de sua eficácia e efetividade finalística em pautas ESG.


Exemplos disto são evidentes com cases globais de Milieudefensie vs. Royal Dutch Shell4 e de ClientEarth vs. Shell’s Board of Directors5, em que houve a discussão sobre deveres de diligência em termos de riscos climáticos e políticas de mitigação de emissões. Nesses cases, inclusive, os julgadores interpretaram leis nacionais civis e corporativas acerca destes deveres, em conjunto com obrigações internacionais do Acordo de Paris e frameworks ESG de mercado.


No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), o caso Comunidade La Oroya vs. Peru6, julgado em novembro de 2023 e cuja decisão foi publicada no mês de março de 2024, abordou de forma paradigmática este mesmo “dever de devida diligência” das empresas públicas e privadas em matéria de direitos humanos, meio ambiente e clima. Neste julgamento, a Corte IDH reconheceu que os deveres de proteção do Estado para com os direitos humanos incidem na regulamentação da atividade de mineração empreendida por empresas públicas e privadas, por meio da imposição de “deveres de devida diligência” e a correlata reparação de danos causados às vítimas de tal atividade7.


Isso também é visto no paradigmático julgamento da ação coletiva do desastre do rompimento da barragem de minérios de Mariana/MG (Município de Mariana & Ors. vs. BHP Group (UK) Ltd & Anor)8, sobre o qual a Justiça britânica decidirá acerca da responsabilização de multinacional anglo-australiana controladora da “joint venture” responsável pela barragem à época da tragédia, devendo ser analisada a possível quebra ou descumprimento destes deveres corporativos de diligência e cuidado por parte da companhia controladora em termos de danos socioambientais.


A pertinência da discussão ainda invade a esfera administrativa, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de modo inédito no Brasil, decidiu9, em instância decisória colegiada, acerca da quebra deste dever de diligência por parte de ex-dirigente da mineradora Vale S.A., dentro do contexto de casualidade dos danos causados no rompimento da barragem de minérios em Brumadinho/MG, em 2019.


Tal evolução sobre a análise jurídica dos deveres corporativos avança no ambiente regulatório da agenda de sustentabilidade corporativa ou ESG/ASG, dos termos Ambiental, Social e Governança, não só no Brasil como na União Europeia, trazendo maior dimensionamento normativo destes deveres de devida diligência, cuidado e controle de companhias privadas e de seus agentes em pautas ambientais, climáticas, de direitos humanos e sociais.


Nesse sentido, são exemplos brasileiros a Resolução CVM nº 193/202310, que passou a exigir a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board – ISSB de todas as companhias da capital aberto na bolsa de valores brasileira, além da Circular SUSEP nº 666/202211, que agora exige o cumprimento de requisitos de sustentabilidade nas atividades e operações de sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), sociedades de capitalização e resseguradores locais.


Em nível internacional, a União Europeia, entre outras importantes normativas ESG, publicou a Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CS3D), ligada à exigência de comportamento corporativo sustentável e responsável nas operações das empresas e em suas cadeias de valor globais, na qual há responsabilização, inclusive, dos agentes e diretores, em casos de medidas de cuidado em riscos e impactos socioambientais e climáticos12.


Os diretores, administradores e controladores de companhias privadas devem identificar e gerenciar riscos e oportunidades relacionados às mudanças climáticas, proteção ambiental e direitos humanos. Caso contrário, poderão ser responsabilizados pessoalmente por não agirem em conformidade com seus deveres legais. Isso representa, como visto, uma ressignificação das estruturas de governança corporativa, de modo a serem concebidas a partir da gestão dos riscos climáticos, socioambientais e sobre direitos humanos13.


Assim, a despeito de discursos situacionistas de "governistas" do norte global e de discussões de mercado ilógicas e estéreisa atuação de companhias e de seus administradores, conselheiros e gestores deve cada vez mais estar ligada à exigência de desenvolvimento, controle, produção e análise de impactos, riscos e fatores ambientais, climáticos, sociais e de governança nas atividades fim e meio das companhias, em seus projetos, empreendimentos e atividades econômicas.


Para alcançar mercados, créditos e, ao fim do dia, mais lucros em um planeta finito (eis o paradoxo), companhias e empresas precisarão desses deveres. São horizontes que sinalizam reorientações irrefreáveis e contornos decisivos à responsabilidade de grandes companhias e empresas privadas no campo complexo e urgente de ambição por respostas e ações diante da emergência climática e da necessidade de promoção do desenvolvimento sustentável. 

Portanto, são novos tempos para os inescapáveis e indiscutíveis deveres de diligência corporativos em matéria socioambiental e climática.


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Artigo originalmente publicado no LinkedIn em abril de 2025

Autor: Bruno Teixeira Peixoto

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