Novos tempos para o dever de diligência ESG
- Bruno Teixeira Peixoto

- 19 de set.
- 6 min de leitura

Decisão recente da CVM indica novos contornos à densidade jurídica dos deveres corporativos de diligência em matéria socioambiental e ESG.
Em 19 de dezembro de 2024, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) concluiu julgamento, em sede de processo administrativo sancionador de sua competência, envolvendo análise e discussão sobre a responsabilidade de administradores por danos sociais e ambientais no Brasil, em especial, acerca do chamado dever corporativo de devida diligência.
O caso se relacionou à tragédia do rompimento da barragem de mineração de Brumadinho, gerida pela mineradora Vale S.A. A diretoria da CVM decidiu, segundo o referido processo, absolver o então diretor-presidente, Fabio Schvartsman, de forma unânime. No entanto, a autarquia condenou o ex-diretor executivo de ferrosos e carvão, Gerd Peter Poppinga, a pagar uma multa de R$ 27 milhões – não houve inabilitação do executivo para exercer funções em companhias abertas. O desastre, ocorrido em janeiro de 2019, matou 272 pessoas1.
Conforme a divulgação da CVM2, a acusação girou em torno da responsabilização por suposto descumprimento do dever de diligência na condição de administradores no contexto do rompimento da Barragem B1, em Brumadinho/MG (infração, em tese, ao art. 153 da Lei Federal nº 6.404/1976 - Lei das Sociedade Anônimas - S.A.). Ao isentar o presidente e condenar o diretor, o colegiado da CVM entendeu que Schvartsman não foi alertado sobre os riscos e não tinha a obrigação de conhecê-los e gerenciá-los diretamente, mas que essa era a responsabilidade de Poppinga3.
O processo administrativo foi instaurado pela Superintendência de Processos Sancionadores (SPS) da CVM, que acusou os diretores de não terem demonstrado à diretoria executiva e ao conselho de administração da Vale a devida importância dos riscos de rompimento das barragens – mesmo após o desastre de Mariana e as mudanças geradas na legislação brasileira4. Apesar da decisão, cabe ainda a interposição de recurso pelos envolvidos, a ser direcionado para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.
O importante dispositivo mencionado prevê o seguinte: "Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios"5.
O mesmo artigo deve ser lido em conjunto com o art. 154, pelo qual "o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa"6.
Com efeito, a mesma Lei Federal nº 6.404/1976 (Lei das S.A.), pelo art. 116 traz que, não só ao administrador da companhia, mas também ao seu acionista controlador cabe "usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender."
Nesse sentido, entre especialistas no tema7, o dever de diligência se enquadraria nos compromissos de: a) bem administrar (técnica, financeira e administrativamente); b) se qualificar para a função (expertise); c) se informar (informações possíveis e necessárias à tomada de decisão); d) vigiar/supervisionar (acompanhar e avaliar os negócios da companhia); e e) fiscalizar/controlar (vedação à omissão em assimetria informacional).
Nos termos do relatório da CVM nos autos, os acusados não foram diligentes perante seus deveres à Companhia, pois não buscaram, de forma proativa, as informações necessárias sobre o real estado de segurança da Barragem B1 e, também, por desconsiderarem sinais de alerta (red flags) importantes para embasar suas decisões no tratamento da matéria8.
Mais especificamente, as acusações apontaram que os envolvidos: i) não participavam de discussões relacionadas ao risco de rompimento de barragens, se contentando em receber informações resumidas e genéricas; ii) não solicitavam relatórios ou qualquer outro documento que poderiam mostrar o verdadeiro estado da Barragem B1; iii) não participavam de nenhuma reunião do PIESEM, o Painel de Especialistas para o Gerenciamento de Segurança e Risco de Estruturas Geotécnicas; entre outras condutas9.
Nos termos do Estatuto Social da Companhia Vale à época dos fatos, reiterou a CVM que havia atribuições e competências específicas ligadas às funções dos envolvidos - especialmente o ex-diretor executivo ligada a gestão de riscos geotécnicos de barragens - acerca de deveres de diligência corporativa nas análises e tomadas de decisão interna.
Trata-se de elemento fundamental para a boa governança corporativa, sem o qual toda e qualquer companhia - de capital aberto ou não - restará exposta a riscos e grandes prejuízos, da mesma forma toda a sua cadeia de stakeholders internos ou externos, aí se incluindo clientes, consumidores, parceiros, investidores e a sociedade em geral.
Independentemente dos caminhos que se seguirão neste caso paradigmático no Brasil, incontroverso que essa decisão da CVM concede contornos importantes à relevância que se deve dispensar à densidade jurídica e normativa dos deveres e responsabilidades de administradores de companhias, sobretudo quando se tratar de funções ligadas a governança e gestão de riscos e impactos socioambientais, climáticos e da agenda ESG.
Não se pode olvidar de que em grandes companhias e empresas, que explorem atividades econômicas, obras, empreendimentos ou projetos com significativos riscos e impactos ao meio ambiente, clima, direitos humanos, trabalhistas e sociais, as decisões e o seu devido dimensionamento e controle administrativo e societário dependem diretamente da regular, proativa e diligente atuação de administradores, diretores, executivos e controladores que compõem a estrutura dessas organizações e as direcionam e orientam.
Em diferentes setores econômicos, os deveres de diligência e cuidado atinentes à atuação de administradores e demais diretores executivos em matéria de governança e gestão de riscos ESG adquiriram "novas roupagens normativas", como no caso da própria CVM com a obrigatoriedade de relatórios de informações de sustentabilidade10, à luz das Resoluções de nº 59/2021, 217, 218 e 219/2024. A atuação de administradores e gestores deve cada vez mais estar ligada ao desenvolvimento, controle, produção e análise de impactos, riscos e fatores ambientais, climáticos, sociais e de governança nas atividades fim e meio das companhias.
Em nível internacional, a União Europeia, entre outras importantes normativas ESG, publicou a Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CS3D), ligada à exigência de comportamento corporativo sustentável e responsável nas operações das empresas e em suas cadeias de valor globais, na qual há responsabilização, inclusive, dos agentes e diretores11.
Toda e qualquer estratégia corporativa em termos de agenda ESG (Environmental, Social and Governance) depende, de forma decisiva, do cumprimento efetivo dos deveres de diligência e cuidado por parte de executivos, administradores, acionistas e controladores, sob pena do agravamento de prejuízos não apenas à companhia, como também em face de todos os seus stakeholders e, em especial, em violação à sua constitucional função social.
Na lição do Prof. Fábio konder Comparato12, a função social da propriedade representaria poder-dever positivo, exercido no interesse da coletividade, que não se confunde com as restrições tradicionais ao uso dos bens, trata-se, antes, do poder de dar à propriedade destino determinado, que corresponda e seja compatível com o interesse coletivo.
Todo e qualquer sentido jurídico a ser dado às estratégias de governança e gestão “ESG” nas empresas e organizações deve corresponder à orientação e à delimitação concreta do desempenho das atividades econômicas dentro de um paradigma que internalize e considere os interesses da sociedade e não apenas das corporações, assim como que previna, controle e corrija as externalidades sociais, humanas e ambientais causadas e/ou potencializadas.
E os deveres de diligência de administradores de companhias são um elemento-chave para que toda a estrutura, funções, políticas, controles e compromissos ESG se concretizem, no interesse tanto das organizações e seus fins, quanto de seus stakeholders e da sociedade.
Há, assim, uma relação de dupla-funcionalidade: as estratégias ESG corporativas tanto fornecem os elementos para o exercício do dever de diligência de administradores e controladores, como dependem dessa crucial função para a sua efetividade.
O tema ainda possui especial relevância em matéria de litigância climática corporativa. A quebra ou omissão quanto aos deveres de diligência e cuidado no gerenciamento de riscos climáticos está cada vez mais no rol de fundamentos ou pedidos em litígios em matéria de mudanças climáticas movidos contra grandes companhias pelo mundo.
São novos tempos, portanto, à densidade jurídica do dever corporativo de diligência ESG.
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Artigo originalmente publicado no LinkedIn em janeiro 2025
Autor: Bruno Teixeira Peixoto



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