ESG e o fim do "só para inglês ver"
- Bruno Teixeira Peixoto

- 19 de set.
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Contexto de litígios e pressões regulatórias indica potencial fim do "soft law" em responsabilidades de Estados e setor privado pela Agenda ESG.
No último dia 26 de setembro, a Comissão Europeia - órgão responsável por aplicar as decisões do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia -procedeu formalmente com notificações de infração por parte de 17 países integrantes do bloco: Bélgica, República Checa, Alemanha, Estônia, Grécia, Espanha, Chipre, Letônia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Áustria, Polônia, Portugal, Romênia, Eslovênia e Finlândia.
A razão: Os referidos países não teriam cumprido com as regulamentações em seus âmbitos internos acerca da Diretiva de Comunicação de Sustentabilidade Empresarial (CSRD) (Diretiva UE 2022/2464), de cunho ESG. São adaptações necessárias na Diretiva relativa à Contabilidade (Diretiva 2013/34/UE), na Diretiva relativa à Transparência (Diretiva 2004/109/CE) e na Diretiva relativa à Auditoria (Diretiva 2014/56/UE).
A Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) foi criada pela Diretiva nº 2.464, de 14 de novembro de 2022 e está em vigor desde 05 de janeiro de 2023. A normativa europeia introduziu novas regras sobre a comunicação e reportes de sustentabilidade. Por meio dela, exige-se que um conjunto amplo de grandes empresas, bem como PMEs listadas, sejam obrigadas a reportar questões de sustentabilidade, contendo dados ligados a impactos sociais, riscos ambientais e climáticos que enfrentam e sobre como suas atividades impactam as pessoas, o meio ambiente e o clima. Empresas não pertencentes à UE também terão de reportar caso faturem mais do que 150 milhões de euros no mercado europeu. A normativa, inclusive, tem potencial de influenciar mercado brasileiro.
Segundo a Diretiva, as primeiras empresas terão de comprovar a aplicação das novas regras já considerando o atual ano fiscal de 2024, mediante a publicação dos relatórios no início de 2025. Os parâmetros das informações e dados que devem ser comunicados e reportados pelos Relatórios das empresas foram divulgados em dezembro de 2023, pelo The European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG), dentre os requisitos inseridos, fixou-se o critério inovador da Dupla Materialidade ESG.
Apesar disso, conforme a notificação instaurada pela Comissão Europeia, 17 países integrantes do bloco ainda não teriam apresentado a internalização/regulamentação do conteúdo da referida Diretiva em seus ordenamentos e regras jurídicas nacionais. Em outras palavras, seriam infrações cometidas por 17 Estados-membros do bloco, em razão de inércia/atraso na regulamentação de regras regulatórias de explícito teor da agenda ESG (Environmental, Social and Governance).
Trata-se de sinal concreto de tendência em expansão nos últimos anos, em nível nacional e internacional, ligada à transição de normas e padrões de responsabilidade ambiental, climática, social e de governança corporativa (ESG), de histórico teor "soft law", ligado a normas não regulamentadas e detalhadas pelos Estados-nacionais e desprovidas de viés obrigatório/sancionatório, rumo à condição de regras "hard law" vinculantes.
Durante décadas, tratados, acordos, convenções e até normas e leis nacionais em termos de proteção a Direito Humanos, condições de trabalho, meio ambiente, mudanças climáticas e deveres de governança e compliance corporativos sofreram com os predicados de "soft law": normas e padrões desprovidos de imposição, implementação e prescrição de sanções. Este contexto é sintoma da secular lacuna de enforcement em matéria de questões ambientais, sociais, Direitos Humanos e de boa governança corporativa ao redor do mundo.
Não por acaso, em diversos ambientes regulatórios, incluindo o brasileiro, Estados nacionais por décadas não regulamentaram regras e padrões normativos em matéria de deveres ambientais, climáticos, de direitos humanos, sociais e de estruturas de governança, gestão de riscos e compliance. Tal espaço gerou (e ainda gera) a diversos setores regulados e às empresas e companhias, em especial de capital aberto, um espaço pelo qual regras, padrões e práticas nestes temas acabam somente "para inglês ver" ou "superficiais/ocasionais".
Antes mesmo da agenda ser definida pelo acrônimo "ESG", diversas obrigações nacionais e internacionais em termos de proteção social, ambiental e de governança permaneceram desprovidas de integral aplicação e desenvolvimento nas estruturas corporativas. Isso, em especial, por necessitarem de regulamentação "hard law" específica, da qual se extraíssem prescrições obrigatórias e sancionatórias face a descumprimentos ou ineficácias dos instrumentos, códigos e mecanismos apresentados por empresas e setor regulados.
Eis aqui um sintoma estrutural para o avanço das práticas de "Greenwashing": falta e/ou precariedade da regulamentação e de aplicação de normas e padrões específicos em deveres ambientais, climáticos, sociais, Direitos Humanos e governança corporativa.
No entanto, este contexto de "soft law", de reinante flexibilidade, inexistente exigência obrigatória e sanções e efeitos punitivos, parece caminhar para uma ressignificação em direção ao "hard law" vinculante. E há fatos que apontam nesta direção.
Tal giro de normatividade e enforcement de regras da agenda ESG tem sinal concreto no movimento instaurado pela Comissão Europeia em face de 17 países do bloco europeu por infração à falta/atraso de regulamentação de expressa Diretiva ESG.
A própria dinâmica do mercado internacional parece cada vez mais se direcionar a indicadores de sustentabilidade e regras ESG em estruturas corporativas, cadeias de valor, gestão de riscos e programas de integridade e compliance.
A mesma Comissão Europeia esteve no foco das manchetes das últimas semanas, em outro fator que confirma esse novo momentum de interpretação sobre regras ESG em relações comerciais internacionais. Força-tarefa de diplomacias brasileira, italiana, alemã, espanhola e até norte-americana, em conjunto com setores privados, como agronegócio brasileiro, apresentaram pedido para que a obrigatoriedade da chamada "Lei Antidesmatamento Europeia" seja postergada para 2026.
Em soma, casos de litigância climática corporativa pelo mundo indicam a inserção de regras, até então "soft law", em decisões e ordens judiciais contra grandes empresas e companhias privadas em setor de significativos impactos ambientais.
Inclusive, em 2023, o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), em consulta pública mundial, questionou se requisitos de reporte de medidas ambientais, sociais e de governança (ESG) seriam uma forma eficaz de garantir que as empresas cumpram com as obrigações gerais em matéria de Direitos Humanos e relacionadas aos objetivos do Acordo de Paris. Consulta inédita pelo seu teor específico.
O direcionamento da ONU se junta às consultas instauradas na Corte Interamericana de Direito Humanos (Corte IDH) e na Corte Internacional de Justiça (CIJ), pelas quais se questiona a configuração dos deveres dos Estados desenvolvidos em responderem aos desafios da emergência do clima. Todo este contexto sinaliza que desafios cruciais aos países, ao desenvolvimento e à segurança humana não poderão mais estar atrelados a mecanismos ortodoxos e avessos a vinculações, como os de "soft law".
Quanto ao contexto brasileiro, a regulação ESG tem avançado, dando forma a padrões mais ligados a "hard" do que "soft law" em questões ambientais, climáticas, sociais e de governança. Este é o caso das Resoluções do BACEN, das normativas da SUSEP e também das Resoluções publicadas pela CVM, entre outros exemplos, inclusive, de Estados brasileiros instituindo políticas de cunho ESG em suas atuações e competências.
A expressão "só para inglês ver" é usada no Brasil e em Portugal para indicar leis ou regras que não são cumpridas na prática. O termo tem origem no período do Império no Brasil, quando as autoridades brasileiras fingiam combater o tráfico de escravizados africanos para atender às pressões da Inglaterra. A frase é usada para descrever algo que é feito apenas para causar boa impressão, mas que não tem validade ou é realizado indevidamente.
Embora ainda haja um caminho a percorrer na análise de efetividade da agenda ESG, o fato é que regras e padrões de sustentabilidade e agenda ambiental, climática, social e de governança serão cada vez mais intensificadas em conteúdo e forma nos próximos anos, de modo a cobrar discurso e prática dos Estados e das empresas.
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Artigo originalmente publicado no LinkedIn.
Autor: Bruno Teixeira Peixoto



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