Dieselgate: marco para o Compliance Ambiental
- Bruno Teixeira Peixoto

- 17 de set.
- 5 min de leitura

Escândalo mundial da Volkswagen define o momento de virada para programas de compliance na área ambiental e climática.
Com o julgamento da primeira class action da história do Judiciário alemão1, o emblemático caso Dieselgate envolvendo a montadora mundial alemã Volkswagen repercute não apenas nas bases do Direito Penal Econômico, quanto à responsabilização de pessoas jurídicas, mas sobretudo traz reflexões a respeito do compliance para área da regulação ambiental e climática, dada sua importância para o controle de atividades que impactam o meio ambiente.
O termo Dieselgate (Abgasskandal, em alemão) faz alusão ao histórico episódio do Watergate, ocorrido no mandato do ex-presidente norte-americano Richard Nixon, em 1974. Trata-se de um divisor de águas para a doutrina dos compliance programs pelo mundo, sendo considerado por especialistas como um dos mais relevantes "biggest cases of corporate fraud" indicativos da necessidade de compliance nas organizações e em setores econômicos relevantes.
Descoberto no ano de 2015 pela Agência de Proteção Ambiental americana (EPA), o Dieselgate resume-se a caso de fraude na estrutura de carros movidos a diesel, fabricados pela montadora alemã entre os anos de 2009 a 2015, através da implantação deliberada de software manipulador do verdadeiro nível de emissão de gases poluentes dos veículos.
O mecanismo agia reduzindo as emissões quando os veículos eram objeto de testes pela agência. Ao total, estima-se cerca de 11 milhões de veículos com a falsificação programada da emissão de gás carbônico e óxido de nitrogênio, este conhecido como NOx, de extremo prejuízo à atmosfera2. Omitiram-se emissões com até 40 vezes mais óxido de nitrogênio do que o permitido na combustão do famigerado “TDI clean diesel”’ ou diesel limpo.
Não obstante tais condições, o ex-CEO da empresa alemã, conforme dados divulgados, possuiu conhecimento dos trâmites internos para a fraude pelo menos um ano antes da eclosão das investigações, e, mesmo de posse dos relatórios irregulares, nada fez. Ao depor no Congresso estadunidense, foi duramente criticado pela quebra da confiança pública na Volkswagen3.
Talvez o ponto fulcral do caso esteja no fato de que o compliance officer da montadora tenha sido condenado a pena de prisão4, justamente a autoridade do departamento interno de conformidade regulamentar da Volkswagen nos Estados Unidos entre 2012 e 2015, a peça-chave para o esquema.
O escândalo estimado em mais de 78 bilhões de euros à Volkswagen5, e com julgamentos em diversas jurisdições mundiais, teve a questão principal analisada judicialmente: se a manipulação ocorreu de maneira contrária à ética e às devidas diligências de conformidade corporativa e proteção ambiental.
A repercussão estende-se ao Judiciário brasileiro, haja vista condenação pela Justiça do Rio de Janeiro, já em fase executória6, imputando à fabricante alemã o pagamento indenizatório de R$ 10 mil reais por danos morais a aproximadamente 17 mil proprietários de veículos de modelo Amarok.
No acórdão proferido pela 9ª Câmara Cível do TJRJ7, o relator destacou: “automóveis com vício oculto, software projetado para fraudar a aferição relativa a gases tóxicos emitidos pela combustão do diesel. Caso ‘dieselgate’, assim denominado o ilícito”.
A própria Volkswagen havia em 2014 reconhecido o seu compromisso com a sustentabilidade na produção de novos veículos, através de carta aberta de intenções ambientais ao Greenpeace Brasil8, o que, posteriormente, esvaziou-se diante do episódio.
Sem dúvidas, é manifesta a ineficácia (ou subversão) do programa de compliance neste caso da empresa alemã, tanto voltado à prevenção de fraude e corrupção como à observação dos padrões ambientais e climáticos mínimos exigidos. Além de prejuízos econômicos causados à organização, aos acionistas e stakeholders, há inestimável impacto na imagem institucional a partir do episódio, o que vem obrigando a montadora a investir globalmente em carros elétricos.
São consequências ambientais e climáticas que trazem à tona discussão sobre o papel do compliance como veículo de diretriz ambiental, por meio da sua instituição em organizações privadas – e também públicas – de um programa de conformidade legal abrangente, que preveja setor incumbido de prevenir, detectar e punir internamente as ocorrências de descumprimento de normas e especialmente da lei, em especial, da legislação ambiental e de emissões.
Por meio de um efetivo compliance em instituições privadas com significativos impactos ambientais que se poderá fomentar uma nova relação nos processos decisórios, subsidiando a fiscalização, por meio de mais transparência, prevenção e cumprimento prévio das regras, reforçando-se, portanto, a regulação estatal. É neste sentido que se discute na doutrina dos Direitos Penal e Administrativo o fenômeno da autorregulação regulada, que, empregada ao Direito Ambiental, poderá proporcionar novos meios de participação e de fomento ao cumprimento interno e externo das normas e leis sobre meio ambiente9.
Não se pode olvidar que a poluição pela emissão de gases como os omitidos pela Volkswagen mata mais que a AIDS e a malária juntas no mundo, segundo aponta a Organização Mundial da Saúde – OMS10.
Injustificável pela simples falta de monitoramento de condutas em organizações como a montadora, principalmente frente aos efeitos ambientais, climáticos e humanos causados. Justamente nestes casos de grandes ilícitos/irregularidades ambientais, por multinacionais, é que o compliance merece aprimoramento, tanto para melhor compreensão da responsabilização da pessoa jurídica como para a prevenção e mitigação contra casos semelhantes.
Não por acaso o relatório final da CPI do Senado Federal11 sobre a tragédia de Brumadinho/MG apontou que “a hipótese do defeito de organização da empresa (Vale) se refere à falta de coordenação de incentivos de diretores, gerentes e funcionários que privilegiassem o controle do risco e o cumprimento da lei. Um sistema de governança e compliance falhos teve papel relevante para o desenrolar da causalidade que levou ao rompimento da barragem”.
Com efeito, são peculiaridades aplicáveis ao Dieselgate e à tragédia ocorrida em Brumadinho: multinacionais de amplas relações organizacionais complexas, que exigem a aplicação de um compliance de viés ambiental abrangente e eficaz em suas atividades finais. E fabricantes como a Audi, Porsche e Mercedes-Benz também estão sendo investigadas pelo mesmo caso12.
Todo esse quadro implica indiscutível revisão de institutos fundamentais do Direito Penal Econômico – concorrência do setor automotivo e a regulação dos seus impactos -, assim como dos Direitos Administrativo e Ambiental, tendo em vista a necessidade de ressignificação das funções estatais de comando e controle e de fomento ao cumprimento de regras e leis de proteção ao meio ambiente, sempre rechaçando o compliance de fachada e o greenwashing, como no caso do Dieselgate, que se mostra, por toda sua repercussão, um marco para a exigência de tais programas.
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Artigo adaptado do original, publicado em 24/10/2019, na página do JOTA
Autor: Bruno Teixeira Peixoto



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