Acordo UE-Mercosul e regras ESG europeias: o que impacta o Brasil?
- Bruno Teixeira Peixoto

- 19 de set.
- 7 min de leitura

No maior acordo comercial da história, a agenda ESG será definidora e estratégica ao Brasil.
Na última sexta-feira (06/12), em Montevidéu no Uruguai, mais de 20 anos de negociações e discussões tiveram um avanço importante, as lideranças da União Europeia e do Mercosul anunciaram a conclusão do Acordo União Europeia-Mercosul, cuja assinatura ainda deverá passar pelo processo de ratificação entre todos os países envolvidos.
Conforme os dados do Governo brasileiro, o Acordo integrará dois dos maiores blocos econômicos do mundo. Juntos, MERCOSUL e UE reúnem cerca de 718 milhões de pessoas e Produto Interno Bruto de aproximadamente US$ 22 trilhões de dólares1.
As perspectivas econômicas com o Acordo apontam para uma possível elevação do fluxo de comércio entre o Brasil e o bloco europeu em R$ 94,2 bilhões, o que representa um impacto de 5,1% no comércio atual. Estima-se ainda um impacto de R$ 37 bilhões sobre o PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, cerca de 0,34% da economia brasileira2.
Sobre as perspectivas para o cenário brasileiro, o Acordo deverá reforçar a diversificação das parcerias comerciais do Brasil, ativo de natureza estratégica para o país, além de fomentar a modernização do parque industrial brasileiro com a integração às cadeias produtivas da UE3.
Segundo as divulgações4, o texto atual do Acordo contém diversos tópicos relevantes para relações comerciais, tributárias, jurídicas, econômicas e políticas entre os países, como:
Comércio de bens;
Facilitação de comércio e aduanas;
Salvaguardas bilaterais;
Solução de controvérsias;
Compras governamentais;
Medidas sanitárias e fitossanitárias; e
Comércio e desenvolvimento sustentável.
Apesar do anúncio, inicia-se um período decisivo para a ratificação entre todos os países, com disputas e discussões importantes acerca dos efeitos regulatórios e comerciais. Nessa fase, haverá impactos relevantes em termos de adaptação e integração do ambiente regulatório dos países envolvidos, com destaque para questões de ESG previstas no Acordo.
Embora contenha uma série de questões regulatórias comerciais e tributárias de extrema relevância para o Brasil, não há como desconsiderar a incidência estratégica e decisiva que a agenda ESG (Environmental, Social and Governance) e a pauta climática deverão exercer sobre a assinatura final, o controle e o cumprimento das diretrizes do referido Acordo. Isso se soma ao movimento recente de diretivas de sustentabilidade europeias publicadas.
Na linha das análises do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável do Acordo diz respeito ao desenvolvimento e à aplicação tanto de medidas voltadas para proteger o meio ambiente, condições sociais, trabalhistas e direitos humanos que possam afetar o comércio e os investimentos, quanto de medidas de comércio e investimentos que afetem a proteção destes mesmos temas5.
Nesse sentido, o Acordo prevê ainda vários artigos relativos às relações entre comércio e diferentes temas da agenda ambiental em sentido amplo: mudança climática, biodiversidade, manejo sustentável das florestas, manejo sustentável da pesca e da aquicultura e manejo sustentável de cadeias de suprimento. Em relação à mudança climática, o acordo define compromisso de implementação efetiva do UNFCCC e do Acordo de Paris6.
Na área de manejo sustentável de florestas e biomas sensíveis, os compromissos se referem ao incentivo ao comércio de produtos originários de florestas manejadas de forma sustentável e colhidos de acordo com as leis do país envolvido. As Partes do Acordo também se comprometem com o combate ao desmatamento ilegal e ao comércio a ele associado7.
Dois outros tópicos de grande relevância em matéria de sustentabilidade e agenda ESG estão na definição do Princípio da Precaução no Acordo UE-Mercosul. A referência é explícita no Acordo, pois deverá constar que "em casos em que a informação ou evidência científica é insuficiente ou não conclusiva e em que há um risco de séria degradação ambiental ou da saúde e segurança ocupacional em seu território, uma Parte pode adotar medidas baseadas no princípio da precaução”8.
A medida em questão, porém, não pode ser aplicada “de forma a constituir uma discriminação arbitrária ou injustificável ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional”. Trata-se de intersecção clara entre regulação concorrencial, ambiental e de ESG no "âmago" de diretrizes nas relações comerciais entre União Europeia e Mercosul, cuja normatização, caso o Brasil não possua em vigor, deverá adaptar ou regulamentar em seu âmbito doméstico, sob pena de desalinhamento com o Acordo.
Por fim, dentro de aspectos ambientais e de regras ESG, o Acordo UE-Mercosul ainda trata da referência aos “esquemas voluntários de garantia de sustentabilidade, tais como esquemas de comércio justo e ético e de rotulagem ambiental (ecolabels), através do compartilhamento de experiências e informação sobre estes esquemas"9.
Este e outros temas são assunto-chave na agenda ESG nacional e internacional, diretamente ligados ao combate de práticas de "greenwashing", regulação específica que a União Europeia já possui diretivas e que no Brasil não existe regra similar em vigor.
Em conjunto com o anúncio do Acordo UE-Mercosul, há ainda outra frente de influência e que deverá impactar fortemente o mercado brasileiro, sobretudo a agroindústria. Nos últimos anos, novas normas da União Europeia ligadas à sustentabilidade de atividades, produtos e serviços deverão desafiar as empresas no Brasil. São exigências que se relacionam, por exemplo, com a necessidade de práticas mais sustentáveis diante das mudanças climáticas e de um reposicionamento de governança corporativa.
Dentre as principais regras ESG europeias, há efeitos sobre as relações comerciais e o controle sobre os impactos em temas ambientais, climáticos, sociais, de direitos humanos e governança corporativa nas cadeias de negócios. É uma nova realidade com reflexos na gestão de pequenas, médias e grandes empresas em pelo menos três frentes.
a) Regra Antidesmatamento Europeia
Discutida recentemente pela diplomacia brasileira e de outros países - como EUA, Itália e Alemanha -, a Lei Antidesmatamento é uma regra de ESG da União Europeia que tem grandes impactos na indústria e no agronegócio brasileiro.
A lei proíbe a entrada e a comercialização de produtos e serviços brasileiros no mercado europeu, caso estejam ligados a áreas com desmatamento realizado após 31 de dezembro de 2020, inclusive quando se tratar de desmatamento autorizado legalmente10.
Na lista de produtos impactados estão carne, café, óleo de palma, soja, madeira, celulose, papel, borracha e derivados como couro, móveis e chocolate, itens que são produzidos e exportados pela agroindústria brasileira. Apesar de a vigência ter sido postergada para 31 de dezembro de 2025, diversos setores da indústria, agronegócio, serviços e exportações no Brasil não estão preparados em suas estruturas, políticas e mecanismos de gestão para atenderem à regra antidesmatamento europeia.
O descumprimento dessa regra europeia prevê multas de até 4% do faturamento líquido da empresa, além da apreensão dos produtos irregulares. Como visto, trata-se de normativa de cunho evidente da agenda ESG, ligada ao controle de desmatamento e que tem clara relação com os tópicos e compromissos a serem dispostos no Acordo UE-Mercosul.
b) Regra de Diligência Prévia sobre Impactos ESG
Outra normativa da UE, aprovada em maio deste ano, a Due Diligence em Sustentabilidade Corporativa (CS3D), vai afetar cerca de 700 empresas catarinenses que fazem negócios com empresas europeias ou geram receitas dentro de países membros da UE, segundo estimativa da Federação das Indústrias de SC (Fiesc)11.
A regulamentação, que entrou em vigor em 25 de julho de 2024, terá aplicação progressiva, exigindo que empresas e companhias no bloco europeu implementem e publiquem sobre como gerenciam os impactos dos seus negócios em questões ambientais, climáticas, de direitos humanos e de governança12.
Em 2027, a diretiva vai valer para as empresas com 5.000 colaboradores e faturamento superior a 1,5 bilhão de euros. Em 2028, vai envolver as empresas com mais de 3.000 funcionários e faturamento de 900 milhões de euros, e em 2029, incluirá as corporações com mais de 1.000 funcionários e faturamento de 450 milhões de euros.
O ponto de atenção está no fato de que diversas empresas da cadeia industrial, de agronegócio, bens e serviços no Brasil são fornecedores ou parceiros comerciais de grandes companhias europeias e mundiais que distribuem ou comercializam produtos e itens brasileiros no continente europeu.
Por esse motivo, essas agroindústrias brasileiras deverão ser impactadas por esta diretiva de gestão de controle ESG. A multa pelo descumprimento pode chegar até 5% do faturamento líquido da empresa, além de possível repercussão judicial em caso de danos comprovados.
c) Regra de Relatório/Reporte de Sustentabilidade Europeia
Há, ainda, uma terceira regra que precisa estar no radar do mercado brasileiro, em especial os setores de agroindústria nacional. Está em vigor desde janeiro desde 2023 uma normativa que passou a exigir das empresas e companhias europeias e das que tenham negócios no bloco europeu a publicação de relatórios sobre informações de sustentabilidade e de desempenho em metas de ESG.
A obrigatoriedade inicia em 2025 para empresas com faturamento acima de 150 milhões de euros, que deverão publicar os relatórios contendo as informações sobre suas estratégias de governança, gestão de riscos e impactos em temas ambientais, climáticos, de direitos humanos e governança corporativa13.
Uma das exigências destes relatórios será a aplicação de estudos de dupla materialidade, um método de avaliar os temas e assuntos ESG mais relevantes nos negócios.
Perspectivas a partir do Acordo UE-Mercosul e das regras ESG europeias
Todo esse contexto de avanço no Acordo UE-Mercosul e de diversas regras ESG europeias confirma um cenário em curso de relevantes riscos e impactos para as pequenas, médias e grandes empresas brasileiras que tenham relações comerciais e forneçam produtos ou serviços na Europa ou ainda que integrem cadeias de produção de companhias europeias.
As empresas brasileiras que atuam na indústria, agronegócio, bens e serviços e que integram as cadeias de valor e de negócios de grandes empresas atuantes na Europa deverão ser impactadas e terão de se adaptar a estes novos padrões de atuação e gestão empresarial.
Muitas destas exigências serão cada vez mais aplicadas a contratos e parcerias comerciais entre empresas brasileiras e europeias, o que deverá exigir preparação e antecipação de estruturas e controles nas indústrias e agroindústrias brasileiras.
Alguns impactos possíveis são a perda ou extinção de contratos comerciais e de fornecimento com agentes europeus, o bloqueio de acesso a créditos ou financiamentos por instituições financeiras internacionais ou nacionais, a responsabilização individual ou solidária em eventuais casos de irregularidades nas cadeias de produção e suprimentos, entre outros.
Em nível de Acordo UE-Mercosul, os impactos devem orbitar as discussões sobre os processos de ratificações entre os países integrantes da iniciativa, com destaque para o conteúdo, a forma e a densidade jurídica das regras e compromissos de cunho ESG, mudanças climáticas e comércio sustentável, que, como visto, são parte importante do referido Acordo.
Dada a sua função e posicionamento na geopolítica comercial internacional, a agenda ESG se afirma como fator estratégico e decisivo, não apenas aos acordos estruturais entre países, como também para a definição e orientação das relações comerciais privadas e setoriais.
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Artigo originalmente publicado no LinkedIn em dezembro de 2024.
Autor: Bruno Teixeira Peixoto



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