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A relação entre ESG e diamantes de sangue

  • Foto do escritor: Bruno Teixeira Peixoto
    Bruno Teixeira Peixoto
  • 19 de set.
  • 6 min de leitura
uma mão segurando um pequeno diamante
Imagem: Global Witness

Certificação global sobre o mercado de pedras preciosas dimensiona o complexo desafio contra práticas green e socialwashing.


Nunca se falou tanto a respeito de “greenwashing” e “socialwashing”, concebidos simplesmente como a apropriação retórica e mercadológica de medidas sustentáveis e sociais de responsabilidade corporativa. Quando as empresas, e até instituições públicas, se apropriam de discursos de políticas para proteção de direitos humanos, sociais, ambientais e climáticos, desprovidas de ações práticas evidentes e verificadas, se muito certificadas.


Tal discussão é consequência clara da ascensão da agenda ESG sobre gestão de empresas e organizações relativa aos seus impactos ambientais, de direitos humanos, sociais e de governança, que vem despertando olhares (ainda tardios) para necessidade de políticas e ações corporativas favoráveis ao desenvolvimento sustentável da sociedade e do planeta.


À prova de retóricas estéreis e de manipulações, discute-se que toda medida ESG deva ser objeto de certificação, auditagem ou, minimamente, observar conjunto de padrões e métodos consagrados e verificáveis, sujeitos a instituições e acreditadores externos ou ainda, em termos gerais, sujeita à avaliação da própria regulação estatal competente.


Por trás dos discursos controversos de sustentabilidade e de ainda pouca atenção à geração de evidências das medidas difundidas, escondem-se dilemas históricos, cujas graves e estruturais repercussões em direitos humanos e socioambientais guardam relação direta e desafiam o "mise-en-scène” das práticas ESGUm deles é o mercado ilegal de diamantes, no qual, tudo, absolutamente, envolve ou pressupõe Environmental, Social and Governance.


Os “diamantes de sangue” são assim chamados pelo rastro de destruição e danos que deixam nos locais de extração desses minérios especiais. A maioria das minas de extração dessa pedra preciosa e cobiçada poluem sistematicamente o meio ambiente e são muitas vezes a causa de violações graves a direitos humanos e socioambientais de diversas comunidades.


Uma realidade retratada pelo premiado filme “Blood Diamond”, lançado em 2006, abordando o contexto da guerra civil na década de 1990, em Serra Leoa, na África, conflito marcado e financiado pela extração e contrabando de diamantes na região.


Dada a gravidade desses conflitos, no ano de 2003, na cidade de Kimberley, na África do Sul, a comunidade de países produtores de diamantes, com a ONU, lançou o Kimberley Process Certification Scheme (KPCS) ou Processo de Certificação Kimberley


Trata-se de um processo de certificação quanto à origem de diamantes, concebido para evitar a compra e venda nacional e internacional de diamantes “de sangue”, isto é, procedentes de áreas mineradas sob conflitos, guerras civis e abusos de direitos humanos e socioambientais. Hoje são 60 participantes, representando 86 países, com a União Europeia e seus 27 países e também o Brasil1.


Ao se pensar na pauta ESG em discussão, pela qual as empresas e organizações públicas e privadas indicam interesse e atenção ao gerenciamento dos impactos ambientais (E), sociais (S) e de governança (G) de seus negócios, o mercado de diamantes é diretamente vinculado, isso em razão da importância da certificação acerca do controle de sua extração, exportação, importação, comercialização e, em termos gerais, da sua conformidade legal contra violações de direitos humanos e socioambientais.


No Brasil, a certificação do Kimberley Process é regulamentada pela Lei Federal n. 10.743/2003, que instituiu o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (SCPK), dispondo sobre a proibição legal às atividades de importação e exportação de diamantes brutos originários de países não-participantes do Processo de Kimberley (art. 3º), sendo competência da Receita Federal brasileira examinar e manusear os lotes de diamantes brutos junto ao despacho aduaneiro, com vistas a certificar sua conformidade com o conteúdo do Certificado Kimberley que seja apresentada pela empresa interessada (art. 8º).


São previstas as sanções de perdimento da mercadoria (art. 9º) e também de multa de 100% do seu valor, caso apreendida comercialização de diamantes brutos sem a certificação Kimberley (art. 10, I) e também quando constatada prática de artifício para obtenção fraudulenta do referido certificado (art. 10, II).

A Resolução nº 106, de 2022, da Agência Nacional de Mineração (ANM), regulamenta no Brasil a emissão do Certificado do Processo de Kimberley (CPK) para exportação, a anuência para importação e exportação de diamantes brutos, o Cadastro Nacional do Comércio de Diamantes (CNCD) e o Relatório de Transações Comerciais (RTC). 


Em resumo, a normativa prevê o cadastramento obrigatório do produtor, do comerciante e do adquirente de diamantes brutos em todo o território do Brasil, incluindo importador e exportador, sendo que o relatório RTC deve ser apresentado pelo produtor, comerciante, importador ou exportador após qualquer operação de venda de diamantes brutos, medidas que, descumpridas, preveem a sanção de multa de até R$ 1 bilhão de reais, conforme o art. 53, do Decreto Federal nº 9.406/2018.


Para a obtenção do Certificado Kimberley e cadastro CNCD, os lotes de diamantes brutos oriundos de áreas produtoras, detentoras de título minerário e com autorização para lavra, devem ser vistoriadas pela ANM, sob comprovação de que o lote, na hipótese de exportação, foi adquirido de pessoa física ou jurídica titular de direito minerário, com autorização de lavra, devidamente inscrita no CNCD, mediante documentação original ou fotocópia autenticada demonstrando a cadeia sucessória de notas fiscais de venda de pessoa física ou jurídica, entre outras exigências.


A resolução traz ainda a possibilidade de realização de vistoria excepcional, quando a medida não tiver sido realizada no prazo indicado. As eventuais irregularidades ou artifícios fraudulentos na obtenção do certificado poderão ser objeto de comunicação de ofício ao MPF, à PF e à Receita Federal para as medidas cabíveis. 


Nada obstante toda referida regulamentação, no Brasil2 o garimpo ilegal de diamantes ainda permanece em ascensão, sobretudo em terras indígenas, esquemas envolvendo cifras milionárias3, com os quais os diamantes brutos são retirados ilegalmente e passam por avaliação do intermediador até serem vendidos em joalherias — principalmente em São Paulo e no exterior, em países como França, Itália e Suíça. Os diamantes de grande parte das reservas brasileiras estão entre os mais valiosos do mundo.


Esse aumento da ilegalidade no mercado de diamantes é também percebido na jurisprudência dos Tribunais brasileiros, casos são vistos envolvendo associação de crimes como extração ilegal de diamantes brutos, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e uso de documentos falsos. Em 2024, operação da Polícia Federal (PF) teve o tema como objeto4.


Global Witness já em 2011 alertava ser o Kimberley Process falho e que não ofereceria reais garantias de que os diamantes vendidos no mercado não fossem provenientes de zonas de guerra ou conflito social5


Na página oficial do Kimberley Process, o relatório do ano de 2018 indicou, como valor total de diamantes brutos exportados de origem brasileira, a elevada quantia de US$ 48 milhões de dólares, confirmando a dimensão socioeconômica da regulação sobre diamantes ilegais6.


Segundo o relatório publicado pelo MPF em 2020, conjuntamente com o ouro, diamantes integram ampla atuação de mineração e garimpo ilegal na região do bioma amazônico. Minérios estratégicos como estes esvaem-se pelas fronteiras com pouco ou nenhum controle das agências públicas, ao mesmo tempo que recursos hídricos são contaminados por mercúrio e parcelas da floresta são postas abaixo na busca por novos veios, e o tão prometido desenvolvimento econômico não chega7.


No documento ainda se destaca que a frouxidão dos controles sobre extração e circulação desses minérios e sobre as pessoas físicas e jurídicas que atuam nesse mercado permite a evasão de divisas, a lavagem de minério proveniente de atividades criminosas e a circulação, nacional e internacionalmente, de mercadorias – notadamente joias – vinculadas a ilícitos financeiros, ambientais e socioambientais.


Para além de terras brasileiras, o dilema estrutural dos “diamantes de sangue” afeta o continente africano, minério decisivo para o agravamento da exploração ambiental e social da África causado pela histórica “febre de diamantes”, como destaca o historiador Martin Meredith, na obra “O destino da África: Cinco mil anos de riquezas, ganância e desafios”8.


Em tempos de onda ESG por empresas, mercado e regulação estatal, contra todo e qualquer tipo de “green” ou “socialwashing” cada vez mais determinante será um sistêmico e estrutural papel da certificação e verificação de compliance de origem sobre os impactos de setores econômicos extrativistas como o da mineração de diamantes e pedras preciosas.


De nada adiantará ecoar discursos e iniciativas de ESG enquanto a exploração ilegal de nichos-chave do mercado nacional e internacional, como o dos “diamantes de sangue”, estiver confrontada por incipientes, quando não omissos, processos de controle.


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Artigo adaptado do original, publicado em 10/10/2021, na página do JOTA. Também no LinkedIn em janeiro de 2025.

Autor: Bruno Teixeira Peixoto

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