A impactante consulta climática à Corte Internacional de Justiça (CIJ)
- Bruno Teixeira Peixoto

- 19 de set.
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Audiências públicas sobre responsabilidade jurídica climática são concluídas no maior tribunal internacional do mundo.
Entre os últimos dias 02/12 a 13/12/2024, foram realizadas em Haia, nos Países Baixos, as audiências públicas sobre pauta climática, na Corte Internacional de Justiça (CIJ)1, o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU), competente por apreciar demandas, julgar casos de conflitos jurídicos submetidos por Estados e emitir pareceres sobre questões jurídicas apresentadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas ou pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Houve a participação de 96 países e 11 organizações regionais e ONGs.
O procedimento de escuta e participação junto à Corte Internacional já configura um marco histórico. Durante as audiências, houve um nível recorde de participação, com mais de 90 submissões escritas e mais de 100 declarações orais efetuadas diante do colegiado, fato inédito na história do Tribunal Internacional2.
Trata-se da consulta à CIJ proposta pelo pequeno país insular de Vanuatu, em conjunto com Nova Caledônia, Ilhas Salomão e Papua Nova Guiné, sendo o ápice de anos de campanha por um grupo de estudantes de direito de ilhas do Pacífico e diplomacia liderada referido país.
Em março de 2023 o requerimento foi aprovado pela Assembleia Geral da ONU e que agora está em fase de apreciação pela referida Corte Internacional. O objeto da consulta é que a CIJ responda qual deve ser a devida interpretação jurídica das responsabilidades dos países industrializados sobre a crise climática e seus impactos às nações mais vulneráveis.
Como objetivo pretendido, a consulta busca a publicação formal de uma opinião consultiva pela CIJ, para que se responda a 02 (duas) importantíssimas questões de direito internacional no âmbito das mudanças climáticas:
Quais são as obrigações dos Estados nacionais - em especial os desenvolvidos - sob o Direito Internacional para garantir a proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa para os demais Estados e para as gerações futuras?
Quais são as consequências e efeitos legais sob essas obrigações para os Estados nacionais - sobretudo os desenvolvidos - que, por suas ações ou omissões, causarem dano significativo ao sistema climático e ao meio ambiente em geral, especialmente em relação às nações e comunidades mais vulneráveis à crise climática?
A questão detém tamanha importância para o direito internacional e o tema das mudanças climáticas que, para David Boyd, ex-especialista independente da ONU (relator especial) sobre direitos humanos e meio ambiente, trata-se do "processo jurídico e de interpretação legal mais importante na história da humanidade, abordando o que é uma ameaça existencial ao futuro da sociedade humana”3.
Apesar da natureza jurídica de uma opinião consultiva, não há como negar seus potenciais efeitos de interpretação e aplicação das regras jurídicas internacionais ligadas à emergência do clima, uma vez que sua influência, por ser ato da Corte Internacional de Justiça (CIJ), pode ajudar a catalisar uma ação climática maior em termos de responsabilização e ação em face de Estados nacionais e, inclusive, de setores privados e grandes companhias globais.
Durante o primeiro dia de audiências na CIJ, os Estados presentes discutiram se suas obrigações legais se estendem para além da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima). A ONU descreve o Acordo de Paris, aprovado em 2015, como um “tratado internacional juridicamente vinculativo sobre mudanças climáticas”, porém os Estados signatários são livres para definir suas próprias metas e políticas em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, as "NDCs".
Países como a Alemanha e Arábia Saudita alegaram que não possuem obrigações além das fixadas no Acordo de Paris, o que reforça discussão de suma relevância acerca da suficiência das metas e obrigações do Acordo e da sua densidade e vinculatividade prática, voltadas a deveres de resultados, e não somente de procedimento e conduta.
Não há como negar, é tempo de ressignificação do chamado "soft law" em matéria de direitos humanos, meio ambiente e mudanças climáticas, trazendo dilemas muito mais "hard" do que "soft" ao direito internacional público e privado.
Dos mais de 90 Estados nacionais representados nas audiências na CIJ, a maioria deles estava alinhada em pedir Justiça Climática e que as grandes nações poluidoras fossem responsabilizadas legalmente. Aqueles grandes emissores, que apresentaram argumentos tentando fugir da responsabilização, estavam em minoria. Grandes poluidores, incluindo EUA, Reino Unido, Rússia, China, Alemanha, Arábia Saudita, Canadá, Austrália, Noruega e Kuwait, segundo as divulgações, restaram isolados em suas tentativas de manipular o sistema legal para servir a seus próprios interesses e se proteger da responsabilização4.
A diplomacia brasileira participou e destacou, por meio do embaixador extraordinário para a mudança do clima, Luiz Alberto Figueiredo Machado, que o Brasil está fazendo mais do que os países que tradicionalmente emitem e emitiram mais gases de efeito estufa5.
Concluídas as audiências públicas, o procedimento agora entrará nas análises por parte de cada um dos 15 julgadores membros da CIJ, fase que poderá se estender por meses. De todo modo, o tempo da Justiça não é o tempo da emergência climática planetária, tampouco é o tempo da crise humanitária adjacente ao tema nos países do sul global.
A crítica realidade de um planeta em vertiginoso aquecimento deve ser fator determinante para que a Corte Internacional não protele a conclusão deste que é, por seu conteúdo e objetivos, o maior dilema jurídica da história humana, sem sombra de dúvidas.
Cabe destacar, no mesmo contexto, que em 2023 o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), em consulta pública mundial, questionou se requisitos de reporte de medidas ambientais, sociais e de governança (ESG) seriam uma forma eficaz de garantir que as empresas cumpram com as obrigações gerais em matéria de Direitos Humanos e relacionadas aos objetivos do Acordo de Paris. Consulta inédita pelo seu teor específico e que, somada à referida consulta à CIJ, indica um caminho claro de maior crítica à falta de densidade jurídica ao regime de responsabilização climática de Estados, empresas e companhias privadas.
Em paralelo à consulta em andamento na CIJ, há também relevantes opinião consultivas recentes, como a proferida pelo Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS), órgão que resolve conflitos relativos ao Direito do Mar, de acordo com o Direito Internacional, o qual em maio de 2024 publicou parecer histórico, reconhecendo as emissões de gases de efeito estufa como uma modalidade de poluição com reflexos marinhos e, assim, indicando que os países possuem responsabilidade legal para reduzi-las no âmbito da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar (UNCLOS)6.
Além disso, está em andamento outra consulta na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), cujas audiências públicas7 foram realizadas no Brasil, em Brasília e Manaus, em 2024. Nesta consulta, busca-se posição formal da Corte IDH acerca do regime jurídico de responsabilização das obrigações do Estados pelas violações a regras climáticas com efeitos nos direitos humanos e de povos e comunidades tradicionais, entre outros pontos.
Todos esses procedimentos consultivos e opinativos devem ainda influenciar um movimento global cada vez mais em ascensão: a litigância climática pública ou privada. Ações e reclamações em Tribunais nacionais e internacionais tendem a crescer com ainda mais ênfase em 2025, com as quais se exige maior enforcement de Estados, bancos, instituições financeiras e empresas e companhias privadas com grandes impactos climáticos, ambientais e humanos.
O cenário vislumbrado a partir dessas impactantes consultas em Cortes e Tribunais internacionais é de ressignificação e redirecionamento da densidade jurídica, de interpretação, implementação e execução, das obrigações em termos de emergência climática, meio ambiente e direitos humanos. A expectativa não poderá ser outra, senão a de que o tempo da Justiça se alinhe - finalmente - ao tempo da natureza e da resiliência - quase extinta - do sistema planetário.
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Artigo originalmente publicado no LinkedIn em dezembro de 2024
Autor: Bruno Teixeira Peixoto



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