Governança ESG na recuperação judicial de empresas
- Bruno Teixeira Peixoto

- 18 de set.
- 4 min de leitura

Consequência de uma estratégia ESG efetiva, aumento da confiança na empresa e em seus propósitos é decisivo para a reestruturação corporativa.
Nos últimos anos, a pauta ESG de governança e gestão de fatores ambientais, climáticos, sociais e de governança em empresas, projetos e investimentos é uma tendência cada vez mais presente nos setores público e privado.
Trata-se de agenda pública e privada muito relacionada às estratégias corporativas ligadas aos riscos e impactos ambientais, sociais e de governança nas organizações, em suas atividades econômicas e, em geral, na execução dos negócios em diferentes setores da economia.
Para o sucesso destas estratégias ESG, os propósitos socioambientais e de boa governança corporativa deverão interagir e contribuir para o desempenho organizacional e também econômico, de modo a permitir a sustentabilidade e a resiliência da própria atividade empresarial, sem deixar de observar a sua constitucional função social e o interesse de suas partes interessadas (stakeholders).
Nesse sentido, toda e qualquer estratégia ESG corporativa, para que alcance seu êxito, precisa levar em conta esta dinâmica e sistêmica articulação entre os fatores ambientais, sociais e de governança e também os econômicos, a exemplo da prevenção e do controle em face dos riscos de prejuízos que exponham a organização à falência de sua estrutura e atividades.
Ao se pensar sobre o sistema de princípios, políticas e mecanismos que dirigem, monitoram e organizam uma empresa, claro é o papel da governança corporativa. Com o olhar da agenda ESG, este instituto assume uma dupla função: atua como estrutura-base ao sistêmico gerenciamento dos fatores ambientais, sociais e organizacionais, e constitui eixo de desempenho da gestão empresarial em temas específicos.
A boa governança corporativa não apenas compõe uma das três dimensões da agenda ESG, inserida na letra “G”, como também, e sobretudo, representa o quadro fundamental para que o conjunto de ações ESG na empresa seja implementado e internalizado no “core business” e nos objetivos da organização, desde a liderança, composição de órgãos, tomadas de decisão e controles de transparência, integridade e compliance.
Em se tratando de recuperação judicial ou extrajudicial de empresas, os sistemas e mecanismos de boa governança corporativa são decisivos para o sucesso da reativação da atividade empresarial. O tema tem destaque na reestruturação do negócio, na alocação eficiente de recursos e na quitação efetiva de débitos frente aos credores.
Tomando-se como exemplo o mecanismo do plano de recuperação, cujas funções principais são preservar a empresa, manter os empregos, os contratos existentes e as condições financeiras da organização, as estratégias de governança ESG, quando efetivas, demonstram grande vinculação, não só com o referido plano, como também com os objetivos gerais da recuperação empresarial.
Conforme os requisitos do art. 53 da Lei Federal n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falências), todo o plano de recuperação de empresas necessita observar a discriminação detalhada dos meios de recuperação escolhidos, a viabilidade econômica de sua execução e a avaliação dos bens e ativos da empresa em recuperação.
Trata-se de mecanismo com impactos diretos na estrutura, atividades e nos interesses de acionistas, empregados, credores e demais partes interessadas no negócio. Tanto a concepção como a fiscalização e propriamente o êxito do plano deverão observar seus impactos sociais e de governança, potenciais ou concretos, gerados pelas ações e diretrizes deste instrumento.
Conforme seu regramento e aplicação, o plano de recuperação deve rever os processos decisórios e o exercício do poder de controle sobre a empresa em análise, reorientando questões intimamente ligadas ao eixo “G” de governança, fomentado pela agenda ESG.
Essa relação entre sistemas de governança corporativa efetivos, alinhados aos propósitos e fatores em temas ESG, e a recuperação de empresas possui alguns exemplos recentes, como nos grandes casos de repercussão nacional e internacional, envolvendo as companhias Americanas1 e Gol Linhas Aéreas2.
No caso das Americanas, uma das maiores recuperações judiciais da história do país, há questões caras à boa governança e à agenda ESG, como nos controles internos e na prestação de contas e informações de gestão. Inclusive, há impactos causados a uma gama extensa de stakeholders, como investidores, empregados e rol significativo de fornecedores3.
Nesse contexto, a governança corporativa, em especial a alinhada com propósitos e impactos ESG, tem uma dupla incidência em termos de recuperação empresarial: compõe o rol de causas à crise e à falência de empresas e também configura um dos meios de recuperá-las.
Se entre os propósitos da recuperação judicial está a manutenção dos negócios empresariais e de toda a cadeia de relações jurídicas, contratuais, econômicas e sociais existentes, a governança ESG se mostra um fator-chave ao seu êxito.
A implementação de medidas de boa governança é essencial não somente para o sucesso no cumprimento do plano de recuperação judicial ou extrajudicial, mas também para sua aprovação. Na medida em que os credores são, nos termos dos arts. 45 e 163 da Lei Federal n. 11.101/2005, os responsáveis por aprovar ou rejeitar o plano proposto, o aumento da confiança na organização – consequência da adoção de estratégias ESG efetivas – é decisivo para que se desenvolva sólido apoio ao plano de reestruturação da empresa.
Dado que o plano de recuperação – judicial ou extrajudicial – almeja recuperar a atividade empresarial, todo o conjunto de interesses e impactos ESG, que se relacionam direta ou indiretamente com o negócio, estarão também dependentes do sucesso deste instrumento.
Além disso, a própria homologação judicial do plano depende de requisitos de governança junto a credores, entre estes, os de natureza tributária, trabalhista, contratual, comercial e fiduciária de bens móveis ou imóveis, entre outros.
Para companhias e empresas em recuperação e que possuam dívidas junto à União Federal, casos recentes confirmam a especial incidência de iniciativas de governança com atenção e gerenciamento dos impactos ESG, na forma de contrapartidas em transações com a Fazenda Nacional4, afirmando a relação destacada por meio desta análise.
Nessas perspectivas, à luz da agenda ESG a governança corporativa denota relação clara com a recuperação da atividade empresarial, em especial na aprovação, controle e conclusão dos planos de recuperação. Essa inter-relação tem destaque quando a falta da boa governança – relevante vetor ESG – é fator-chave à quebra e à falência de empresas e ao insucesso dos negócios em geral no mundo corporativo.
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Artigo adaptado do original, publicado em 01/04/2024, na página do JOTA. Também publicado no LinkedIn.
Autores: Bruno Teixeira Peixoto e Cesar Carrera



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