top of page

A Proteção a Denunciantes Ambientais (Whistleblower Ambiental)

  • Foto do escritor: Bruno Teixeira Peixoto
    Bruno Teixeira Peixoto
  • 19 de set.
  • 5 min de leitura
Funcionário do Ibama entreo troncos de árvores que foram desmatadas ilegalmente
Foto: Vinícius Werneck/Ibama.

Um dos países mais violentos para ambientalistas, Brasil precisa avançar em medidas de proteção aos denunciantes ambientais de boa-fé (Whistleblowing).


Segundo divulgações recentes da ONG Global Witness1o Brasil figura na lista dos países com maiores inseguranças e violações a ambientalistas e defensores das pautas socioambientais e climáticas. Em razão das dezenas de registros de ataques, crimes e assassinatos, o contexto brasileiro exige atenção à proteção de ativistas e de todas as organizações e da sociedade civil organizada vinculados a estes temas.


Para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), os defensores e defensoras ambientais são "indivíduos e grupos que, em sua capacidade pessoal ou profissional e de forma pacífica, se esforçam para proteger e promover os direitos humanos relacionados ao meio ambiente, incluindo água, ar, terra, flora e fauna"2. São defensores que enfrentam crescentes agressões, ameaças e assassinatos, junto ao aumento da intimidação, assédio, estigmatização e criminalização, em grande parte são grupos socioeconomicamente vulneráreis, inclusive povos e comunidades tradicionais e indígenas.


Especificamente se tratando das denúncias a práticas de irregularidades, ilícitos e crimes ambientais e de direitos humanos, não apenas defensores ambientais, mas também - e sobretudo - muitos grupos sociais se expõem a retaliações, ameaças e violações físicas ou psicológicas quando pretendem realizar ou formalizar denúncias em ouvidorias e canais de comunicação nas mais diferentes alçadas de órgãos e entidades públicas no Brasil.


Muitos são os episódios em que denúncias envolvendo crimes ou infrações às políticas e normas de meio ambiente acabam direta ou indiretamente vinculadas a outras ilegalidades, como corrupção, organização criminosa, fraude, lavagem de dinheiro e outros. São casos que expõem denunciantes de boa-fé a até crimes contra a vida, eventualmente praticados em face de comunidades tradicionais ou grupos sociais vulneráveis, afetados por grandes empreendimentos ou atividades com significativos riscos e impactos ambientais.


Em determinadas hipóteses, as denúncias ou as informações estratégicas acerca de ilícitos e infrações ambientais são manifestadas por servidores públicos e demais agentes que integram os órgãos e entidades de fiscalização e controle ambiental, o que passa a exigir tratamento diferenciado ao tema, justamente na busca por maior proteção e resguardo de denunciantes internos à atuação estatal ambiental no Brasil.


Por essas e outras razões, a implementação de normas de proteção do meio ambiente passa cada vez mais a depender das políticas e programas que fomentem e garantam a integridade pública. Dentro dessas iniciativas de integridade e compliance, são especialmente importantes o sigilo, a confidencialidade de dados e informações, com foco na proteção dos denunciantes de boa-fé contra possíveis retaliações ou perseguições ilegais.


Considerando os Programas de Integridade existentes nos órgãos e entidades públicas ambientais federais (IBAMA, MMA e ICM-Bio), pertinente questão surge sobre se as estruturas de ouvidoria, canais de denúncia e de políticas de proteção a denunciantes de boa-fé (do inglês “whistleblowers”) seriam capazes de garantir o sigilo, a confidencialidade e a necessária e efetiva proteção contra retaliações, perseguições e ameaças a estes denunciantes em matéria ambiental?


Para a proteção da integridade pública, existem os chamados Programas de Integridade. Em nível federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) os define como o conjunto estruturado de medidas institucionais para a prevenção, detecção, punição e remediação de práticas de corrupção e fraude, de irregularidades e de outros desvios éticos e de conduta, em cujos elementos estão os canais de denúncia e a proteção de denunciantes.


Na área federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), por meio da Portaria n.º 137 de 2022, fixou o ciclo 2023-2024 do seu Programa de Integridade. Como diretrizes do Programa de Integridade do Ibama, a Portaria definiu, entre outras, a de incentivar o uso adequado dos canais de denúncia e representação sobre desvios éticos, ilícitos administrativos, fraude e corrupção no âmbito do Ibama


O referido Programa ainda fixa que “a Coordenação de Ouvidoria do Ibama é responsável pelo recebimento das denúncias que são apuradas, de acordo com os prazos legais”. O Programa destaca, ainda, ser “possível apresentar denúncia anônima e denúncia identificada”, sendo assegurados pela Ouvidoria da entidade federal “a reserva da identidade do denunciante, a confidencialidade e a proteção do manifestante”.


É preciso considerar que haverá casos em que se exigirá a proteção de denunciantes internos (whistleblowers) e externos aos órgãos e entidades públicas ambientais, ou seja, poderão ser agentes públicos ambientais que tomem conhecimento de infrações ou ilícitos praticados, como também cidadãos, inclusive, via de regra, oriundos de povos, grupos e comunidades tradicionais ou socialmente vulneráveis que estejam ou possam estar afetados em função do ato ou omissão contida no conteúdo da denúncia apresentada.


Sobre a figura dos denunciantes de boa-fé, identificados na língua inglesa como Whistleblowers”, a Transparência Internacional os considera denunciantes de papel fundamental na exposição de casos de corrupção, suborno, fraude, má administração e outras irregularidades e ilícitos que ameacem ou possam ameaçar o interesse social, a saúde pública e, principalmente, o meio ambiente e os direitos humanos.


Na realidade prática, a depender do contexto em que se formaliza a denúncia, quem decide proceder com uma denúncia, em especial crimes ambientais e/ou de direitos humanos, geralmente se expõe a riscos pessoais e de integridade física e psicológica. Denunciantes em matéria ambiental podem receber ameaças, demissões, realocações de função ou exoneração (servidores), processos formais, prisões, ou mesmo agressões físicas ou assassinatos.


A situação se agrava quando grande parte dos denunciantes de crimes ou infrações ao meio ambiente são os defensores e defensoras ambientais (pessoas ou instituições), dentre estes, organizações sociais ou grupos de pessoas pertencentes a comunidades vulneráveis socialmente ou expostas a violações a direitos e garantias fundamentais, ameaças de morte, além de subornos, propinas e corrupção em geral.


No âmbito federal, o Decreto Federal n.º 10.153 de 2019 regulamentou salvaguardas de proteção à identidade dos denunciantes de ilícitos e de irregularidades praticados contra a Administração Pública federal direta e indireta, competindo ao Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo Federal (SisOuv) receber as denúncias dirigidas aos órgãos e entidades federais, dentre estas, Ibama e ICM-Bio.


Conforme a Portaria n.º 581 de 2021, editada pela Controladoria-Geral da União (CGU), “desde o recebimento da denúncia, as unidades do SisOuv deverão adotar as medidas necessárias à salvaguarda da identidade do denunciante e à proteção das informações recebidas e que formem elementos de identificação do denunciante, nos termos do Decreto nº 10.153, de 2019”. Ainda pela normativa, “a proteção à identidade do denunciante se dará por meio da adoção de salvaguardas de acesso aos seus dados, que deverão estar restritos aos agentes públicos que devem conhecer, pelo prazo de cem anos, nos termos do 1º, do art. 6º do mesmo Decreto”.


Por fim, a IN da CGU ainda prevê a possibilidade do recebimento e apuração de denúncias relativas a práticas de retaliação contra os denunciantes que sejam praticadas por agentes públicos dos órgãos e entidades federais, bem como a instauração de processos para apuração de responsabilidades por tais apurações, o que almeja garantir a formalização de casos em que os denunciantes sejam ameaçados ou perseguidos por servidores.


Apesar destas previsões, é preciso avançar acerca desta proteção efetiva de denunciantes ambientais de boa-fé (whistleblowers) no Brasil. Sobre esta pauta, relevante é o Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe, o qual busca promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, além de prever o fomento de mecanismos específicos para a proteção a defensores ambientaisO Acordo, no entanto, ainda precisa ser ratificado no ordenamento brasileiro.


Por todas essas perspectivas, sistemas de ouvidoria e canais de denúncias precisam ser efetivos e prever medidas de resguardo e proteção aos denunciantes ambientais de boa-fé. Isso porque, via de regra, são denunciantes (whistleblowers) inseridos, em muitos casos, em contextos de altos riscos de corrupção, suborno, violações a direitos humanos e de povos e comunidades tradicionais, condições que tornam as políticas e programas de integridade e compliance instrumentos decisivos na atuação dos órgãos e entidades de fiscalização e controle ambiental no Brasil.


--

Artigo originalmente publicado no LinkedIn.

Autor: Bruno Teixeira Peixoto

Comentários


Não é mais possível comentar esta publicação. Contate o proprietário do site para mais informações.
bottom of page